Apresentação

Da vasta obra de Paulo Freire, no Brasil e no exterior, foram selecionados apenas os materiais relativos aos “primeiros tempos”, relacionados às experiências iniciais de alfabetização e educação de adultos, a saber: os textos de fundamentação sobre o sistema de alfabetização, elaborados pela equipe do SEC - Serviço de Extensão Cultural da então Universidade do Recife, publicados em Estudos Universitários, Revista de Cultura dessa universidade n. 4, abril-junho 1963; o dossier das experiências de Angicos e de Brasília, ambas realizadas em 1963, e o Programa Nacional de Alfabetização (PNA), iniciado nos primeiros meses de 1964, na Baixada Fluminense, e suspenso pelo golpe militar, a partir de 31 de março do mesmo ano. As pastas deste módulo foram organizadas com os referidos materiais, na ordem acima.

Esse período está apresentado no artigo de Osmar Fávero, “Paulo Freire: primeiros tempos”, reproduzido do livro Paulo Freire: a práxis político pedagógico do educador, organizado por Silvana Ventorin, Marlene de Fátima C. Pires e Edna Castro de Oliveira (Vitória: EdUFES, 2000). A concepção de Paulo Freire sobre a educação de adultos está contida em seu livro Educação como prática da liberdade (Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1ª ed. 1967), que traz em apêndice a explicação das fichas de cultura e do processo de alfabetização propriamente dito. Por sua vez, a experiência de Angicos encontra-se inteiramente registrada e comentada no diário elaborado por Carlos Lyra e publicado sob o título As quarenta horas de Angicos: uma experiência pioneira de educação (São Paulo: Cortez Ed., 1996). Em outra perspectiva, está também historiada por Calazans Fernandes e Antonia Terra, em 40 horas de esperança; o método Paulo Freire: política e pedagogia na experiência de Angicos (São Paulo: Ed. Ática, 1994).

A repercussão da experiência de Angicos foi enorme, sobretudo pelo caráter inovador do “sistema de alfabetização”, com forte conteúdo político-ideológico, e pela rapidez com que conseguia alfabetizar (40 horas). A cerimônia de encerramento da experiência, em abril de 1963, e a reportagem de Antonio Callado, no Jornal do Brasil, em janeiro de 1964 dão uma idéia desta repercussão. Seu êxito impulsionou experiências semelhantes em vários estados, numa verdadeira escalada, dando origem ao PNA, proposto pelo MEC. Sob coordenação de Paulo Freire e aplicando seu “sistema”, deveriam ser alfabetizados cinco milhões de jovens e adultos, em dois anos. A experiência inicial do PNA, iniciada na Baixada Fluminense no início de 1964, foi desmontada nos primeiros dias do golpe militar de abril do mesmo ano e todo seu material confiscado pelos militares. O projeto de implantação em Sergipe, segunda área-piloto, não chegou a ser iniciado.

Para a experiência na Baixada Fluminense, as fichas de cultura foram elaboradas por Francisco Brennand, famoso ceramista do Recife, constituindo-se em uma obra de arte. Os 116 slides contendo estas fichas e as situações de aprendizagem que introduzem as palavras geradoras, o desdobramento delas e a formação de novas palavras e pequenas frases, foram encontrados após ficarem 30 anos guardados numa geladeira, em Natal. Apesar do cuidadoso trabalho de recuperação, parte do material apresenta o desgaste natural do tempo e das más condições de sua conservação.

A análise mais bem documentada e melhor realizada desses “primeiros tempos” de Paulo Freire está contida no livro de Celso de Rui Beisiegel, Política e educação popular; a teoria e a prática de Paulo Freire no Brasil (São Paulo: Ática, 1982; Coleção Ensaios, 85; 4. ed., Brasília: Liber Livro, 2008). Vanilda Pereira Paiva, em História da educação popular no Brasil (São Paulo: Loyola, 6a ed. 2003), narra com detalhes a montagem do PNA e em Paulo Freire e o nacionalismo-desenvolvimentista (Rio de Janeiro, Civilização Brasileira; Fortaleza: Ed. UFC, 1980) também explora, sob uma perspectiva crítica, estes primeiros tempos”.