Situação da educação de jovens e adultos em uma escola da rede pública de ensino - SILVA, S. P.


Autor: Solange Pereira da Silva
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            Este trabalho apresenta uma abordagem histórica da educação de jovens e adultos na América Latina e no Brasil até os dias atuais. Foi realizada através de uma pesquisa qualitativa, por considerarmos importante a cotidianidade dos sujeitos, a análise dos dados nos permitiu descrever e compreender a realidade vivenciada pelos sujeitos da educação. E, para não concluir, mas, apostar na busca do eterno novo, continuamos refletindo sobre a temática abordada acreditando que a modificação da estrutura dominante só virá quando a educação for um ponto de partida para a transformação social. 

Alfabetização de jovens e adultos

Apresentação
O presente trabalho é fruto de uma pesquisa etnográfica realizado em uma escola da rede pública municipal de Marabá com o objetivo de compreendermos a situação da Educação de Jovens e Adultos no primeiro segmento. Considerando que, refletir sobre a Alfabetização de Jovens e Adultos não nos remete apenas a uma questão de especificidade etária, mas primordialmente, a uma questão de especificidade cultural, porque esse território da educação não diz respeito somente a reflexões e ações educativas dirigidas a qualquer jovem ou adulto visto que, este não é um estudante universitário ou profissional qualificado que freqüenta cursos de formação continuada ou de especialização, ou uma pessoa adulta interessada em aperfeiçoar seus conhecimentos em áreas como artes, línguas estrangeiras ou música, por exemplo.

Geralmente esse aluno é um migrante, notadamente, oriundos da região Nordeste, que chega nas cidades provenientes de áreas rurais empobrecidas, filhos de trabalhadores rurais, que serão, por certo, mão de obra não-qualificada, com baixo nível de instrução escolar, (muito freqüentemente analfabetos); outros, com passagem curta e não sistemática na escola, trabalhando em ocupações urbanas como contingente populacional manobrável, não qualificados, após uma vasta experiência no trabalho rural na infância e juventude. Sem contar com as donas e ou funcionárias do lar que por casarem cedo e assumirem a responsabilidade de construir uma família e posteriormente cuidar dos filhos, estão buscando os Programas de Educação de Jovens e Adultos oferecidos pelos sistemas de ensino destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria, segundo indicativos da LDB 9394/96.

O trabalho está organizado em três capítulos, apresentando no primeiro, algumas reflexões sobre a persistência do analfabetismo na América Latina, seguido do histórico da Educação de Jovens e Adultos no Brasil, desde o período jesuítico até os dias atuais. O segundo capítulo apresenta os pressuposto teóricos da pesquisa etnográfica, a metodologia utilizada para a realização da pesquisa, tendo como base, destacar as observações, entrevistas, análises de documentos, possibilitando assim, situar o universo da pesquisa, seguindo uma descrição do perfil dos sujeitos envolvidos, por acreditarmos que, a nossa pesquisa não teria validade se não considerássemos as opiniões, as histórias de vida, o próprio cotidiano da escola; uma vez que, formulamos questionamentos que somente com o contato com os sujeitos encontraríamos respostas ou justificativas. 

As questões formuladas foram divididas em quatro momentos; sendo a primeira interroga sobre os motivadores que levam homens e mulheres a ingressar e permanecer nos cursos institucionalizados? A segunda questão discute acerca de se jovem e adultos encontram na escola as condições necessárias para continuar estudando? Nosso terceiro questionamento se refere à postura do educador(a), como ele (a) considera a vida cotidiana de homens e mulheres simples que participam desses programas institucionalizados? No quarto questionamento discutimos a possibilidade de diferenciação do currículo da EJA em relação à alfabetização do ensino fundamental?

O terceiro capítulo analisamos os dados obtidos no trabalho de campo que nos permitiram descrever e interpretar as questões formuladas em nossa pesquisa, e chegarmos, parcialmente, a conclusões de que a Educação de Jovens e Adultos em Marabá precisa ser mais bem estudada, analisada e reconstruída dentro de uma proposta que considere seus participantes como seres históricos e sociais. 

Ressaltamos que, os dados apresentados devem pois, ser considerados à luz desse caráter inicial, exploratório, o que afasta qualquer pretensão de análise conclusiva. Não se trata de um trabalho que tenha trazido todas as respostas para todas as questões relacionadas aos temas. Os aspectos apontados serviram de guia, reflexão e estudo mais aprofundado, assim como para não concluir, mas, sinalizam uma aposta na busca do eterno novo.

Capítulo I. A persistência do analfabetismo na América Latina.

O analfabetismo é uma realidade social que persiste nos países da América Latina com exceção de Cuba, e que continua se reproduzindo, resistindo, portanto, a desaparecer. Isso significa dizer que, parte da população nunca freqüentou a educação básica de primeira à quarta série, não adquiriu ou não domina os códigos da escrita, as habilidades da leitura, as operações matemáticas. São os chamados analfabetos funcionais - essa denominação é utilizada pela UNESCO, notadamente, nos Programas de alfabetização destinados a jovens e adultos -, que estão impossibilitados de ter acesso às vantagens econômicas, políticas e culturais que a sociedade oferece a quem se apropria da leitura e da escrita.

Apesar de alguns esforços realizados nesses países para amenizar o analfabetismo após a segunda guerra mundial, até a década de 80 existia aproximadamente cinqüenta milhões de analfabetos acima de quinze anos em todo o continente. Países como, Venezuela, Guatemala, Uruguai, Chile, Brasil, entre outros, foram vítimas de longas ditaduras militares que destruiu qualquer organização sistemática de movimentos populares voltada para a construção de uma educação pública popular. Dessa forma, além de não conseguirem resolver o problema do analfabetismo já existente, não conseguiram evitar a sua reprodução.

Em análises comparadas entre os países latinos americanos o fenômeno do analfabetismo possui grande relevância entre si, segundo Torres (1992:39),

Embora, cada um desses países o analfabetismo tenha características próprias, em termos gerais e particulares elas continuam sendo as mesmas de sempre: os efeitos estruturais do tipo econômico, social, político e cultural próprio dos paises dependentes e que afetam grande parte da população, a concentração de renda e superexploração da força do trabalho geram as situações extremas de pobreza e de miséria das incontáveis famílias e são responsáveis pela sua capacidade insuficiente ou nula de reprodução social.

Nesse sentido, o fator econômico, sem dúvida, continua sendo um dos importantes determinantes do analfabetismo, além da ausência de uma política educacional e cultural por parte dos governos, dirigidas especificamente para esses setores. Essa política subsidiaria os gastos que a escola básica requer, conforme declarou o diretor da UNESCO na V Conferência Mundial de Educação de Adultos (CONFINTEA), e, por outro lado, garantiria o direito e a qualidade da educação. A falta de uma política dessa natureza desestimula a permanência dos alunos na escola. Em relação aos recursos destinados à educação, sabe-se o quanto são insuficiente às verbas que a maioria dos governos reserva a ela; e, dessa pequena cota, é bem pouco o que se destina à promoção da educação básica.

Pode-se até argumentar que essas situações estão mudando na medida em que o país da América Latina tem passado nas últimas décadas, por profundas mudanças estruturais, que, por sua vez, aumentaram a escolarização. Isso é inegável, mas, em contrapartida, segundo Bertussi (1992:40),

As elevadas taxas de crescimento apresentadas pelos paises da região podem até expressar a ampliação das forças produtivas, a modernização do campo, das áreas urbanas, o desenvolvimento da industria, do comercio e dos serviços, mas não se deve perder de vista as conseqüências adversas dessas mudanças; responsáveis pelo fato de em 1989, 37% do total das famílias viverem em situação de pobreza e 17% em indigência - o que significa que 44% dos habitantes da América Latina viviam na pobreza e 21% na indigência. Essas condições são responsáveis não apenas pela persistência do analfabetismo nas regiões menos desenvolvidas, mas também nas áreas rurais, entre homens e mulheres, nos grandes centros urbanos e entre grupos indígenas.

No Brasil, por exemplo, o Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 1991 destaca que há mais de 35 milhões de pessoas maiores de catorze anos que não completaram a quarta série do ensino escolar, destas, cerca de 15,7 milhões de pessoas residem nas cidades. Quase todos os países latinos americano são marcados por grandes desigualdades sociais, provocadas pela crise econômica, pelo pagamento da dívida externa, pelas orientações neoliberais, que, de certa forma, eximem o Estado das responsabilidades sobre as suas políticas sociais e de ser o gestor da educação, afetado por um modelo de acumulação. Desta forma, não é estranho que cada vez mais os setores populares sejam excluídos de qualquer benefício.

Contudo, essa afirmação, não é válida para o caso de Cuba, pois, no que se refere à educação naquele país, as taxas de escolarização não possibilitam comparações; com exceção, é claro, das crianças que nascem biologicamente incapacitadas para o aprendizado (2,3%) todas as demais desfrutam da escolarização (97,7%).

1.1. Educação brasileira no período colonial

Historicamente, o Brasil sempre foi mantido numa situação de dependência. Inicialmente, por Portugal, Inglaterra e por último, pelos Estados Unidos. Neste sentido, a educação se constituiu em um dos instrumentos utilizados para interesses dos sucessivos grupos que ocuparam o poder, para promover e preservar essa dependência.

Pensar a educação a partir do marco da história da educação no Brasil nos remete ao sistema educacional fundado pelos jesuítas. Tratava-se da aculturação sistemática dos nativos através da educação que perdurou por 210 anos, e que não relegou suas funções como dominadores espirituais, ancorando a sua linha curricular de forma muito competente, fazendo maciço investimento na erudição de seus alunos.

Seriam os padres jesuítas meros controladores das mentes de brancos, índios e mestiços? Parece-nos que o controle das almas exigia extrema habilidade, pois era preciso mediante o ensino, manter inabalável a estrutura da sociedade nascente com a predominância de uma minoria dominante sobre um grande número de escravos e agregados. Na avaliação de Sodré (1994:17),
O ensino jesuítico, sem aprofundar a sua atividade e sem outras preocupações senão o recrutamento de fiéis ou de servidores tornava possível a estrutura vigente, subordinava-a aos imperativos do meio social, marchava paralelo a ele. Sua marginalidade era a essência de que vivia e se alimentava. 

Na verdade, não se pode perder de vista os objetivos práticos da ação dos jesuítas no Novo Mundo que tinha como finalidade catequizar a população indígena e garantir a conversão à fé católica. A atuação sobre os meninos(as) indígenas não era somente um meio eficaz de preparar as novas gerações de aliados, mas também de influenciar os índios adultos.

A educação jesuítica pretendia chegar até eles através do ensino das crianças, acreditando que estes na relação familiar, acabariam por influenciar seus pais. Também, através da alfabetização e da transmissão do idioma português tentavam a catequização direta dos indígenas adultos, num processo de cristianização e aculturação dos nativos; sendo estes os primeiros relatos de educação de adultos no país (PAIVA, 1987:55).

Os dados históricos permitem-nos concluir que o sistema educacional dos jesuítas era completamente alheio à realidade de vida da colônia e foi usado como um instrumento de cristianização e de sedimentação do domínio português. A educação jesuítica refletia claramente o seu caráter elitista. Assim,

Os padres acabaram ministrando, em princípio, educação elementar para a população índia e branca em geral (salvo as mulheres), educação média para os homens de classe dominante, parte da qual continuou nos colégios preparando-se para o ingresso na classe sacerdotal, e educação superior religiosa só para esta última (ROMANELLI, 1997:35).

De acordo com Azevedo (1996:520), a educação de elite, com o ensino literário de fundo clássico, tornou-se bastante influente no sistema educacional da Companhia de Jesus. Segundo os interesses políticos que predominavam, a vocação dos jesuítas era outra certamente, não a educação popular primária profissional, mas a educação das classes dirigentes. Essas considerações nos levam a pensar que a educação no período colonial não visava à formação do povo, ao contrário, o povo foi excluído do sistema educacional dos jesuítas. A educação de elite possuía seu público alvo, e servia como patamar de ascensão social. Afinal,

Já não era somente pela propriedade da terra e pelo número de escravos que se media a importância ou se avaliava a situação social dos colonos: os graus de bacharel e os de mestre em artes passaram a exercer o papel de escada ou de elevador, na hierarquia social da colônia... A universidade de Coimbra passou a ter, por isso, um papel de grande importância na formação de nossas elites culturais.(AZEVEDO, 1996.512-513).

Na verdade, além de fortalecer a organização social da época, por auxiliar na perpetuação de uma classe dominante, o sistema educacional dos jesuítas, alimentava uma cultura intelectual transplantada, alienada e alienante (ROMANELLI, 1978:35).

1.2. A crise no sistema colonial e os caminhos percorridos pela educação popular

A idéia de adotar uma política colonizadora através da conversão dos indígenas no Brasil colonial, permitiu aos jesuítas desempenhar o papel de principais promotores e organizadores do sistema de educação, mas, sua autonomia na colônia, fez com que a coroa combatesse a ampliação desse controle provocando a regressão do sistema educativo implantado, onde quem mais sofrera com sua expulsão fora a elite, pois a educação popular era quase inexistente.

A educação dos adultos indígenas tornou-se irrelevante, o domínio das técnicas, da leitura e escrita não se fizeram necessárias para os membros da sociedade colonial, já que, esta se baseava principalmente na exportação da matéria prima, assim, não havia preocupação em expandir a educação a todos os setores sociais. (PAIVA, 1987:165). Com a vinda da família real portuguesa para o Brasil modificou-se o panorama educacional brasileiro. Tornou–se necessário à organização de sistema de ensino para atender a demanda educacional da aristocracia portuguesa e preparar quadros para as novas ocupações técnico-burocráticas.

No desenvolvimento da sociedade, que começou a ser industrial e urbana, surgiu a necessidade de se ter um certo domínio de conhecimento e que se apresentasse algumas habilidades de trabalho, de modo que a escola passou a assumir a função de educar para a vida e para a aprendizagem do trabalho.

Antes de 1870, grandes discussões foram travadas sobre a obrigatoriedade do ensino, num momento em que quase não possuíamos uma rede elementar de ensino, daí se justifica o fato de que mesmo a educação sendo obrigatória para todos não seja, ao mesmo tempo, acessível, pois não se destinou recurso suficiente para que se expandisse o sistema de ensino, de modo que pudesse atender a demanda necessária com qualidade.

E neste momento que ainda antecede a Proclamação da República, é que nasce juntamente com a educação elementar comum no Brasil à educação de adultos sob responsabilidade das províncias e funcionando em condições precárias. No ano de 1854 surge à primeira escola noturna e, em 1876, já existiam 117 escolas por todo o país, como nas províncias do Pará e do Maranhão, que já estabeleciam fins específicos para sua educação. Segundo Paiva (1987:167), no Pará, visava-se dar instrução aos escravos como forma de contribuir para a sua educação e, no Maranhão, que os homens do povo pudessem ter compreensão dos seus direitos e deveres.

A crise do sistema escravocrata e a necessidade de uma nova forma de produção são alguns dos motivos para a difusão das escolas noturnas, entretanto, essas escolas tiveram um alto índice de evasão o que contribuiu consideravelmente para o seu fracasso. Ressurgindo novamente em 1880, com o estímulo dado pela reforma eleitoral - lei Saraiva -, chegando-se a cogitar a extensão da obrigatoriedade escolar aos adolescentes e adultos nos lugares em que se comprovasse a inexistência de escolas noturnas (PAIVA, 1987:168).

Podemos observar na criação da lei Saraiva a seleção dos que poderiam fazer parte da vida política, embora a seleção pela renda ampliava a consulta ao tornar a eleição direta, trataram de encontrar um novo e complementar mecanismo de seleção: a instrução como o único meio capaz de excluir os escravos libertos ou os indivíduos das classes trabalhadoras que lograssem ultrapassar a barreira da renda.

A constituição republicana de 1891 deu origem ao preconceito contra o analfabeto, identificado como indivíduo incapaz, que servirá como um dos pontos de apoio do entusiasmo pela educação. Até o final do império não havia sido colocado em dúvida à capacidade do analfabeto; segundo Paiva (1988:83), esta era a situação usual da maioria da população e a instrução não era condição para a atividade do país, não saber ler não afetava o bom senso, a dignidade, o conhecimento [...] não impedia de ganhar dinheiro, ser chefe de família exercer o pátrio poder. 

Somente quando a educação se converte em instrumento de identificação das classes dominantes (que a ela tem acesso), é que o analfabetismo passa a ser associado à incompetência. Há agora no país, um predomínio de um movimento conhecido como entusiasmo pela educação, que permaneceria até a metade do século XX quando a educação de adultos terá maior relevância social.

Para Paiva (1987:27), O entusiasmo pela educação, se caracterizou por preocupações eminentes quantitativas em relação à difusão do ensino, visava à imediata eliminação do analfabetismo [...] que aparece [...] coincidindo com a maior firmeza conseguida pelo industrialismo [...], parece estar ligado ao problema da ampliação das bases eleitorais através do número de votantes proporcionado pela multiplicação das oportunidades de instrução elementar para o povo. 

A educação vista como meio de desenvolvimento e progresso para o país, com o poder de transformação de todos os problemas sociais, a partir do momento em que a mesma se expandisse para todas as classes. Por isso, no período que sucede a Proclamação da República, muitos são os que acreditam na realização dos ideais democráticos e defendem a divisão do ensino primário. Mas esta pregação perdeu-se nas transformações políticas do regime e na política dos governadores, e a instrução popular viu diminuída a sua importância, só voltando novamente a receber destaque quando se inicia um novo período de instabilidade política.

Até a Primeira Guerra Mundial, mas particularmente, na década de 10, a maior parte das discussões sobre o problema da educação popular trava-se no Parlamento (através do debate dos projetos de reforma do Município Neutro) e seus debatedores eram políticos interessados no problema. Não existem ainda profissionais ou técnicos da educação, se quiséssemos identificar algum no século XIX, teríamos de buscá-lo em Rui Barbosa, com seu célebre parecer, e ele não era um especialista em educação, mas um político de grande cultura e com a opinião de que,

A chave da civilização é o alfabeto. Sem o alfabeto não haveria, no mundo, nem progresso, nem cultura, nem evolução, nem preparo, nem organização, nem previsão, nem civismo, patriotismo. E nada disso existe no Brasil, porque o povo brasileiro ainda não sabe o alfabeto (NAGLE, 1974:39).

Nesse parecer levantou-se uma discussão política vinculando a luta pela difusão do ensino para a construção de uma nação de progresso, tal vinculo é resultado da ação dos liberais, da idéia de democratizar o ensino, da valorização da educação como instrumento de ascensão social. E, com o desencadeamento da primeira guerra mundial em 1914, levanta-se no Brasil uma onda de nacionalismo, que teve como um dos principais objetivos combater o analfabetismo, principalmente, após a divulgação de uma estatística realizada pelos Estados Unidos que apontava o Brasil como um país líder em analfabetismo, comprometendo o orgulho nacional daqueles que representavam o poder no Brasil. Começaram então a adotar o discurso de que era preciso combater a chaga do analfabetismo que nos envergonhava e nos impedia de pertencer ao grupo das nações culturais. (PAIVA, 1987:27).

Esse período se concretizou pelo entusiasmo pela educação, que iniciou desde 1891 com a seleção pela instrução. Percebe-se que, quem não tinha preocupação quantitativa imediata para a difusão do ensino elementar era considerado antinacional. Ressaltamos ainda que não havia profissionais da educação, nem no sentido mais geral, nem no terreno pedagógico. Foram os políticos que se encarregaram de promover a oportunidade para a educação elementar e se permitiram a teorizar sobre o assunto. 

Nesse período, a educação começa a ser concebida como um problema nacional e as crises sócio-econômicas e culturais passam a ser atribuídas à ignorância da população, pois, na avaliação de Paiva (1987:28), associam a posição o preconceito contra o analfabeto, como o elemento responsável pelo escasso progresso do pais e pela impossibilidade de Brasil participar do conjunto das nações de culturas... A necessidade de se universalizar à instrução elementar cumpria uma finalidade menos consciente, mas não menos verdadeira: a de mascarar a análise da realidade, deslocando da economia e da formação social a origem dos problemas relevantes.

Na verdade, havia uma mistura de preconceito contra o analfabeto que perpetuava numa visão humanitarista com sentimentos patrióticos, ajudando a mascarar os verdadeiros problemas que o país enfrentava, a crise sócio-econômica, política e cultural, vítima do controle político que se mantinha nas mãos das oligarquias agrárias.

Após a Primeira Guerra Mundial, com a industrialização e urbanização, forma-se a nova burguesia urbana e estratos emergentes de uma pequena burguesia exigem o acesso à educação, esse segmentos aspiram por uma educação acadêmica e elitista, enquanto que o restante da população continua analfabeta e inferiorizada.

Nos anos 20 aparecem os primeiros profissionais da educação que tentaram sustentar a crença em seu descompromisso com idéias políticas defendendo o tecnicismo em educação e trazendo implícita a aceitação das idéias políticas dos que governam, a educação popular vinculada pelo entusiasmo na educação nada mais foi do que uma expansão das bases eleitorais, pois a preocupação maior estava vinculada ao aumento do poder da classe burguesa (PAIVA, 1987:28).

1.3. A educação pelo trabalho no Brasil: um projeto de classes sociais

Considera-se a década de 30 um período crucial da evolução histórica do país, sendo seu traço mais especifico a preponderância dos interesses ligados à industrialização. No plano político, eleições, nova Constituição, no plano econômico, novos rumos pela criação de mecanismos institucionais voltados para a sustentação do crescimento industrial, no plano educacional, difusão do ensino técnico-profissional, como meio de preparação de mão-de-obra qualificada para atender a economia urbana industrial. No plano ideológico, propõe-se a criação do Estado-nação onde sobressai à criação de um sistema de educação que deverá se articular com a organização do trabalho. Já no seu primeiro discurso à nação o presidente Vargas anuncia a necessidade da reorganização do trabalho e da educação. O que vai correr, sobretudo a partir de 1937, com a decretação do Estado Novo. 

Fala-se a partir daí, no preparo técnico, na preparação de técnicos para a indústria e para o setor de serviços, na incorporação de novos elementos na educação popular, a preparação técnica que aparece como a necessidade de formar trabalhadores para a indústria, para a disciplina do trabalho. Já, com a sedimentação do Estado Novo e o reconhecimento de que a educação possa ser um instrumento de manutenção ou transformação social, o próprio governo, como representante de um grupo que detém o poder, passa a utilizar o sistema educativo e a educação escolar como forma de difusão ideológica através de um currículo homogêneo tradicional e conservador. Enquanto os movimentos populares de oposição tentam se utilizar, como instrumento de transformação, dos meios de trabalhos e de cultura popular, através dos centros culturais. Um exemplo de oposição e resistência que aconteceu neste período foi à fundação da União Nacional dos Estudantes (UNE), que viria a ter grande importância no meio educacional. 

1.4. A educação de adultos convertida a partir de campanhas

No final da década de 40 e início dos anos 50, torna-se uma necessidade promover a educação do povo para acompanhar a fase de desenvolvimento que se instalava no país, era preciso formar os contingentes de mão-de-obra necessários para atender ao crescimento das indústrias. Essa necessidade de promover a educação e qualificação foi justificada por várias teorias ligada à política e a ampliação das bases eleitorais do país, e com incentivo externo.

A própria, Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) órgão vinculado a Organização das Nações Unidas (ONU), passou a estimular a criação de programas nacionais de educação de adultos analfabetos, inclusive criando um conceito de educação funcional. Nesse conceito é explicitada a necessidade de desenvolver uma metodologia especial para a educação de adultos entendida como: um processo global e integrado, de formação técnica e profissional do adulto em sua forma inicial - feito em função da vida e das necessidades do trabalho; um processo educativo diversificado que objetiva converter os alfabetizados em elementos conscientes e eficazes na produção em geral. Do ponto de vista econômico, a alfabetização funcional tende a dar aos adultos iletrados os recursos pessoais apropriados para trabalhar produzir e consumir mais, do ponto de vista social a facilitar-lhe sua passagem de uma cultura oral a uma cultura escrita (CUNHA, 1988:15).

O conceito de educação elaborado pela UNESCO enfatizava a relação entre educação e desenvolvimento, como pré-requisito para a inserção plena do indivíduo no ambiente cultural e afirma a necessidade de transmissão de conhecimento técnico-profissional que habilitassem o educando para o trabalho.

Os apelos da UNESCO foram absorvidos no Brasil, principalmente após a revelação de que 55% da população brasileira, maior de 18 anos era analfabeta (recenseamento de 1940). A própria situação mundial e nacional intensificou os trabalhos na área de educação de adultos que vinha se realizando lentamente desde 1942, quando foi criado o Fundo Nacional de Ensino Primário, que determinava concessão de auxílio federal ao ensino primário e estabelecia 25% de seus recursos ao ensino supletivo de adultos analfabetos.

A responsabilidade de organizar um plano geral da Educação de Jovens e Adultos, ficou a cargo do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP), que elaborou propostas para a ampliação de ensino como: criação de escolas noturnas, distribuição de auxilio em material escolar para quem se dispusesse a contribuir na campanha de educação de adultos. Este procedimento marcou o início da institucionalização da educação de adultos pela União, e em janeiro de 1947 foi aprovado o plano de Campanha de Educação de Adolescente e Adultos (CEAA), atendendo basicamente aos apelos da UNESCO. A respeito das intenções da CEAA, observa Paiva (1987:179) que, a educação dos adultos se converteu num requisito indispensável para uma melhor reorganização social com sentido democrático e num recurso social da maior importância para desenvolver entre as populações marginalizadas o sentido de ajustamento social. A campanha significava o combate ao marginalismo, conforme o pronunciamento de Lourenço Filho: devemos educar os adultos, antes de tudo, para que o marginalismo desapareça, e o país possa ser mais coeso e mais solidário; devemos educá-los para que cada homem ou mulher possa ajustar-se à vida social e às preocupações de bem estar e progresso social. E devemos educá-los porque essa é a obra de defesa nacional, porque concorrerá para que todos saibam trabalhar mais eficientemente. 

Após a aprovação do plano de campanha, o ministro da educação convoca os delegados estaduais e municipais para uma reunião a fim de tratar dos problemas relativos à campanha. Em 1947, os delegados do estado apoiaram a idéia de se realizar o I Congresso de Educação de Adultos que aconteceu num clima de entusiasmo pelo programa, e com muitas discussões sobre a necessidade da educação de adultos.
A incorporação de alguns discursos baseado no preconceito contra o analfabeto de alguns participantes do debate, criando até um slogan ser brasileiro é ser alfabetizado, retomaram alguns aspectos do entusiasmo pela educação, só que com um discurso eivado de consideração e justificação técnica; seu fundamento político evidenciava uma campanha de salvação nacional, uma nova abolição, que, segundo Paiva (1987:185), era a mesma idéia de integração política dos analfabetos e de democratização das oportunidades educacionais como armas para a eliminação do marginalismo social, defendida de forma simplista, menos sofisticada. E na base de tudo isto estava algumas idéias defendidas pelos entusiastas da educação que colocavam o analfabetismo como causa e não efeito da situação econômica, social e cultural do país.

Lourenço também defendeu a campanha responsabilizando a falta de educação do povo, por parte dos problemas sociais: em seu entendimento ele afirmava que a grave crise social do país, política, econômica e social, provem antes de tudo os 55% de analfabetos. Na verdade a idéia de integração esteve presente em toda a teorização da campanha, justificando todos os problemas do país pela falta de educação e cultura do povo brasileiro, ligando todos os problemas sócio-econômicos, políticos e culturais, com a ignorância da população.

A idéia central do diretor da campanha era a de que o adulto analfabeto é um ser marginal que não pode estar ao corrente da vida nacional e a esta idéia se associa a crença de que o adulto analfabeto é incapaz, e que além de produzir pouco é explorado freqüentemente em seu trabalho. A educação teria por objetivos integrar o homem a vida cívica e unificar a cultura brasileira. Por isso, com o lançamento da campanha em 1947, pretendia-se, numa primeira etapa uma ação extensiva que previa a alfabetização em três meses, e mais a condensação do curso primário em dois períodos de sete meses. Depois seguiria uma etapa de ação em profundidade voltada à capacitação profissional e ao desenvolvimento comunitário.

Paralelo a Campanha de Adolescente e Adulto, criou-se a Campanha Nacional de Educação Rural (CNER), era uma espécie de missões rurais que tinham como objetivo principal passar de ação extensiva para ação em profundidade, e pretendiam contribuir para acelerar o processo evolutivo do homem rural despertando nele o espírito comunitário, a idéia de valor humano e o sentido de suficiência e responsabilidade para que não se acentuassem as diferenças entre a cidade e o campo, em detrimento do meio rural. 
Por isso as missões educativas penetravam no interior para incentivar a elevação dos padrões de vida e a solução dos problemas coletivos através da organização comunitária, encontra nessa campanha a crença de que os problemas do meio rural podem ser solucionados através da educação, da difusão da idéia e do valor da auto ajuda; contudo, ela se associa às características do otimismo pedagógico, onde seus representantes defendiam que a escola não ia bem, que o seu fracasso era eminente por causa do método tradicional que não levava em conta as necessidades dos alunos no planejamento, acabando por excluí-los.

Os promotores desta experiência acreditavam explicitamente que a esperança da melhoria das condições de vida econômica estaria fundamentalmente na educação de base, e que, os programas de educação em comunidades rurais promoveriam o seu desenvolvimento, independente das reais condições econômicas das mesmas. (PAIVA, 1987:200).

Desvincula-se a reflexão sobre os métodos educativos a serem empregados na comunidade - no caso a organização social da comunidade - da reflexão sobre a sociedade como um todo, sobre o seu modo de produção, sua formação social e suas conseqüências, como se a mera aplicação de técnicas fosse suficiente para provocar o desenvolvimento sócio- econômico, político e cultural das pessoas. 

O próprio método de ensino e de leitura dos adultos conhecido como Laubach inspiraram a iniciativa do Ministério da Educação de produzir, pela primeira vez, material didático especifico que ensinavam a leitura e a escrita para o adulto, era orientado pelo método silábico, que deveria ser memorizada remontada para formar palavras, e nas lições finais era formados de pequenos textos contendo orientação sobre saúde, técnicas simples de trabalhos e mensagem de moral e cívica.

Tanto a CEAA, quanto a CNER, foram considerados inoportunas, devido a sua atuação não ter sido suficiente para atender aos princípios pedagógicos esperados, as duas campanhas seguiram rumos desvinculados da realidade dos grupos que se queria atingir, considerando a cultura dominante como a única e verdadeira se mantendo fiel ao seu fundamento político, formando novos contingentes eleitorais.

Dez anos após o lançamento das campanhas, e a conclusão de que a mesma era insuficiente, e que, era preciso buscar outros caminhos para solucionar os problemas, chegou-se à conclusão de que era preciso outro congresso nacional para rediscutir a educação de adultos.

1.5. Pressupostos teóricos para uma nova alfabetização

A necessidade de discutir propostas para a educação de adultos, estava ligadas as modificações que o país atravessava no final da década de 50, e o fracasso da CEAA, CNER, foi um dos fatores relevantes para a convocação do IIº Congresso de educação de adultos, como uma tentativa de uma revisão conjunta dos profissionais da educação daquilo que se fizera no país em matéria de educação de adultos e, busca de soluções adequadas para o problema.

O IIº congresso foi convocado e patrocinado por diversas entidades publicas e privadas e com o apoio do ministro da educação professor Clovis, realizou-se no Rio de Janeiro, entre 9 e 16 de julho de 1958. Sua finalidade maior era estudar o problema da educação dos adultos em seus múltiplos aspectos, visando seu aperfeiçoamento, fazer uns balanços das realizações brasileiras, bem como, estudar as finalidades, formas e aspectos sociais da educação dos adultos, seus problemas de organização e administração. Além dos métodos e processos pedagógicos mais adequados a esse tipo de educação, o congresso ofereceu oportunidade para a manifestação de diversos grupos de educadores, preocupados estes em buscar novos métodos para a alfabetização dos adultos.

Várias teses foram defendidas pelos participantes, e todas com um ideal de educação de adulto que não condizia com a realidade, pois, segundo Paiva, (1987: 209), algumas das teses defendia a educação que servisse como instrumento que prevenisse a subversão, outras aconselhavam um procedimento cauteloso para evitar perturbações sociais, que podiam ocorrer com uma alfabetização em massas da população rural [...] Outros consideravam que os trabalhadores não poderiam ficar a mercê de uma minoria que constitui o governo e decide o destino da pátria, clamavam pela erradicação do analfabetismo, afim de que se pudesse ter no Brasil uma verdadeira democracia e esta somente era possível quando todos os maiores soubessem ler a chapa do candidato da sua escolha... A educação das massas seria o único caminho para a revolução brasileira.

Eram discussões com mistura de entusiasmo e realismo em educação que se manifestavam em cada palestrante, todos num objetivo de buscar encontrar caminhos de transformar a educação de adultos. Inúmeros trabalhos fora apresentado, mas o que chamou mais a atenção foi o do congressista Paulo Freire que apresentou um trabalho com o tema: a educação dos adultos e as populações marginais: o problema dos mocambos, para Paiva (1987:209) este trabalho, chamava a atenção para as causas sociais do analfabetismo e condicionando a sua eliminação ao desenvolvimento da sociedade, deixavam-se de lado as causas pedagógicas. A equipe pernambucana tratava de identificar no pauperismo e na ignorância as causas imediatas do analfabetismo (PAIVA, 1987:209).

O II congresso marca o inicio da transformação do pensamento pedagógico brasileiro. Com o abandono do otimismo pedagógico e a re-introdução da reflexão sobre o social na elaboração das idéias pedagógicas, foi possível constatar aspectos característico do realismo em educação, ou seja, a consideração dos aspectos internos do processo educativo a lado de uma vinculação com a vida da sociedade, as preocupações quantitativas não se acompanham mais do preconceito contra o analfabeto (PAIVA, 1987:211). 

O pensamento pedagógico de Paulo Freire, assim como sua proposta para a alfabetização de adultos, inspiraram as principais proposta de alfabetização e educação popular que se realizaram no país no inicio dos anos 60, essas propostas foram empreendidos por intelectuais, estudantes católicos engajados numa ação política junto aos grupos populares.

Atuaram e desenvolveram atividades aplicando essas novas diretrizes, nos Centros de Cultura Popular, (CPCs), que reuniam artistas, intelectuais, e tinham apoio das administrações municipais, com idéias de se tomar como ponto de partida o universo real de conhecimentos do educando dentro de uma prática educacional que valorizasse a cultura popular e que viesse a lutar contra a marginalização cultural do homem das classes pobres, tornando-o agente de sua própria educação.

Por seu lado, os educadores do Movimento de Educação de Base (MEB), ligado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que visava oferecer um ensino para as camadas populares, sobretudo analfabetas, por intermédio de emissoras de rádio, nos estados do Norte, Nordeste e Centro Oeste com o apoio do poder público, particularmente durante o governo Goulart.

Ressaltamos que o trabalho de educação popular em particular de alfabetização foram todos inspirados nas idéias de Paulo Freire, a chamada Pedagogia da Libertação ou Pedagogia dos Oprimidos. Segundo Paiva, (1987:252), esse educador constituiu uma proposta de mudança radical na orientação e objetivos do ensino, partido da compreensão de que o aluno não apenas sabe da realidade em que vive, mas também participa de sua transformação.

Esses diversos grupos de educadores foram se articulando e passaram a pressionar o governo federal para que os apoiasse e estabelecesse uma coordenação nacional de iniciativas. Em janeiro de 1964, foi aprovado o Plano Nacional de Alfabetização, que previa a disseminação por todo o Brasil da proposta orientada por Paulo Freire. A preparação do plano contou com forte engajamento de estudantes, sindicatos, e diversos grupos estimulados pela efervescência política da época.

O pensamento de Paulo Freire se construiu numa prática baseada num novo entendimento da relação entre a problemática educacional e a problemática social; se antes este era visto como uma causa da pobreza e da marginalização, o analfabetismo passava a ser interpretado agora como um efeito da situação de pobreza gerada por uma estrutura social não igualitária.

Fazia-se necessário, portanto, que o processo educativo interferisse na estrutura social que produzia o analfabetismo, por isso, a alfabetização e a educação de base de adultos deveria partir sempre de um exame critico da realidade existencial dos educandos, da identificação das origens dos seus problemas e das possibilidades de superá-los.

Para Paulo Freire: a sociedade tradicional brasileira fechada, se havia rachado e entrado em trânsito, ou seja , chegara o momento de sua passagem para uma sociedade aberta e democrática (PAIVA,1987:251). O povo emergia nesse processo, inserindo-se nele criticamente, querendo participar e decidir, abandonando sua condição de objeto da história.

Além dessa dimensão social e política, os ideais pedagógicos que se difundiam tinham um forte componente ético, implicando um profundo comprometimento do educador com os educandos. Os analfabetos deveriam ser reconhecidos como homens e mulheres produtivos que possuíam culturas. Dessa perspectiva, Paulo Freire criticou a chamada educação bancária, que considerava o analfabeto ignorante, uma espécie de tabula rasa (gaveta vazia) onde o educador deveria depositar o conhecimento. Tomando o educando como sujeito de sua aprendizagem, Freire propunha uma educação que não negasse sua cultura, mas que fosse transformado através do dialogo. Nessa época ele referia-se a uma consciência ingênua ou intransitiva, herança de uma sociedade agrária e oligárquica, que deveria ser transformada em consciência crítica, necessária ao engajamento ativo no desenvolvimento político e econômico da nação (FREIRE, 2001:92).

Evitando repetir os erros de uma educação alienada, onde a reflexão sempre partia da própria análise da sociedade brasileira como uma sociedade em trânsito. Neste sentido o diálogo parecia ser o único caminho possível, pois nele os dois pólos se ligam, se fazem críticos na busca de algo e, só aí há comunicação. Mas, qual o conteúdo desse dialogo? Seria, notadamente o conteúdo mais adequado para ajudar o analfabeto a superar a sua compreensão mágica do mundo e desenvolver uma postura critica diante de sua realidade. Primeiro deveria contribuir para o homem perceber o seu papel como sujeito e não como mero objeto de base para a mudança de suas atitudes. Depois através dos debates iniciava-se o processo de alfabetização.

Freire elaborou uma proposta de alfabetização de adultos conscientizadora, cujo princípio básico pode ser traduzido numa frase que ficou célebre: A leitura do mundo precede a leitura da Palavra. Rejeitando a utilização das cartilhas, que sempre reduziu o analfabeto à condição antes de objeto, que de sujeito, optou pela utilização de temas geradores que era a pesquisa sobre a realidade existencial do grupo com o qual iria atuar, ou seja, faria um levantamento das palavras utilizadas pelo grupo e desse universo selecionaria as palavras com maior intensidade e, desta forma organizava o conteúdo segundo os diversos padrões silábicos existentes, e realizaria o estudo da escrita e a leitura a partir da realidade do grupo.

Antes de entrar para os estudos dessas palavras geradoras, Freire propunha ainda o momento inicial em que o conteúdo do dialogo educativo girava em torno do conceito antropológico de cultura, utilizando uma serie de ilustração que deveriam dirigir a discussão na qual fosse evidenciado o papel ativo dos homens como produtores de culturas e as diferentes formas de cultura: a cultura letrada e a não letrada, o trabalho, a arte, a religião; o objetivo era, antes mesmo de iniciar o aprendizado da escrita, levar o educando assumir-se como sujeito de sua aprendizagem, como ser capaz e responsável.

Nesse período foram produzidos diversos materiais de alfabetização orientados por esses princípios, normalmente elaborados regional ou localmente, procurando expressar o universo vivencial dos alfabetizando. Esses materiais continham palavras geradoras acompanhadas de imagens relacionada a temas para debate. O que caracterizava esses materiais era não apenas a referência à realidade imediata dos adultos, mas, principalmente, a intenção de problematizar essa realidade.

Com a proposta de Paulo Freire, inaugurou-se uma nova etapa na educação de adulto no Brasil. Surgiu uma pedagogia que explicitando seus fundamentos filosóficos e metodológicos, voltava-se exclusivamente para os adultos. Neste sentido Freire (1982:41) se expressa definindo sua pedagogia como: uma pedagogia humana e libertadora, que tem dois elementos distintos. O primeiro, em que os oprimidos vão revelando o mundo da opressão e vão compromentendo-se na práxis; o segundo, em que, transformada a realidade opressiva, esta pedagogia deixa de ser a do oprimido e passa a ser a pedagogia dos homens em processo de permanente libertação.

1.6. A ditadura militar e o retrocesso na educação de adulto

O período posterior a abril de 1964, caracterizou-se pelo desaparecimento ou pela paralisação progressiva das atividades de um grande número de movimentos destinados a educação dos adultos, provocado pela instalação do governo revolucionário que desencadeou, após o Golpe Militar de 64, forte repressão sobre os grupos e instituições que atuavam em projetos de educação popular rompendo com os projetos centrados na libertação. Sobrevivendo apenas algumas iniciativas, no interior, como o Movimento de Educação Básica (MEB) devido ao seu vinculo com a Conferência Nacional do Bispo do Brasil (CNBB) que aceitou a reformulação de sua metodologia, e do seu material didático e da modificação do método Paulo Freire. Na opinião de PAIVA (1987:283), essa mudança da reorientação observou-se imediatamente no nível didático, viver é lutar substituído por Mutirão, passando o MEB da ênfase sobre a conscientização para dar ênfase sobre a ajuda mútua. Segundo Emmanuel de Kant, a politização era substituída pela cristianização (grifo nosso).

Nos dois primeiros anos do novo governo, o problema da educação dos adultos é deixado de lado pelo ministério da educação. Entretanto, a paralisação dos esforços brasileiros no sentido de diminuir sua porcentagem de analfabetos e de educar sua população adulta repercutia mal internacionalmente e a UNESCO voltava a reiterar aos paises membros seus apelos no sentido de que desenvolvessem tais programas, os compromisso internacionais do Brasil na área educativa incluía o combate ao analfabetismo.

Finalmente, em 1967, o governo da União retoma as atividades da educação através do ministério educação, e o plano complementar, e do apoio a Cruzada da Ação Básica Cristã (ABC) que teve origem quando um grupo de professores do colégio de Pernambuco criou um programa voltado para a educação de adultos, inspirados numa mística protestante, uma vez que a maioria dos indivíduos empenhados no trabalho era evangélica e estavam ligadas as igrejas protestantes norte-americana.

Esse programa começou num bairro pobre do Recife, em seguida recebeu apoio financeiro do Estado e, sucessivamente, foi financiado pelo governo da União e da Fundação Norte Americana Agnes Erskine (USAID). Em 10 de agosto de 1967, a cruzada ABC assinou um convênio com o Ministério da Educação (MEC) e um compromisso de atingir um total de 2 milhões de adultos e analfabetos num prazo de 5 anos, atendendo puramente aos objetivos da política governamental sem desenvolver atividades que contrariassem os interesses do Brasil, o seu regime político e os valores éticos da civilização cristã.

Dentro das suas atividades a Cruzada preocupou-se com a formação de pessoal treinado para a educação de adultos (supervisores e professores) e com a preparação de material didático, inclusive cartilhas. Seu programa de alfabetização era realizado em 4 fases (5 meses cada fase), cada uma pretendendo oferecer, no conjunto das fases, um programa equivalente ao primário regular.

A cruzada do ABC tinha como objetivo preparar o semi-analfabeto para estar em condições de além de receber o grau de instrução primária em 2 anos, saber discernir e escolher seus próprios dirigentes e decidir pela sua própria vida, além disso, a ABC pretendia oferecer ensino profissional ao adulto recém - alfabetizado, afim de que ele deixasse de ser um peso morto para a sociedade, passando a produzir para o seu bem estar.

Na verdade o adulto analfabeto foi visto pela Cruzada ABC como um parasita econômico incapaz de contribuir para o desenvolvimento do país, o que se constitui como um retrocesso à concepção que se tinha no inicio das primeiras campanhas de educação de massa. O preconceito contra o analfabeto, grandemente combatido no período anterior, passou a encontrar resistência nos mais diversos setores (PAIVA, 1987:263) Além de ser defendido pela cruzada, também fazia parte dos discursos do Ministério da Educação.

Entretanto, o programa Cruzada do ABC, foi alvo de criticas no Seminário realizado pela Superintendência para o Desenvolvimento do Norte (SUDENE) em 1967, segundo Paiva (1987:209), começou pela rejeição de grande profissionais da educação brasileira que não concordava com os seus métodos e se recusaram a participar do programa, como estava pouco habilitada no terreno que desejava atuar, com um desconhecimento absoluto da experiência brasileira em educação de adultos, e ainda se intitulava a única entidade qualificada do país na tarefa de educação de adultos precisava enviar técnicos para curso nos estados unidos. Os técnicos deixaram claro sua oposição a este tipo de educação e consideraram a entidade incapaz de dar continuidade ao programa, e defenderam uma educação abordada dentro de uma a de educação de base, ligado ao desenvolvimento comunitário, buscando uma educação para o desenvolvimento para uma sociedade em mudança.

Neste sentido, o seminário permitiu verificar os balanço das políticas educacionais publicas, as discussões e sugestões do que realmente poderia ser feito, das novas condições políticas do país. Entretanto, se a realização do Seminário ofereceu oportunidade de contato a muitos profissionais da educação do país, permitindo observar as modificações sofridas pela abordagem do fenômeno educativo nesses meios, suas diretrizes pouca influência exerceram. O documento final do seminário embora transformado em publicação, não foi sequer distribuído.

Apesar de não ter sido distribuído o documento elaborado no seminário, o governo da união resolveu dar ênfase ao planejamento educacional, tomando como base os estudos desenvolvidos pela economia da educação. E, através do decreto nº 57.895, o MEC determinou que, a responsabilidade de elaboração do programa intensivo de erradicação do analfabetismo caberia ao Departamento Nacional de Educação. Assumiu o controle dessa atividade lançando o Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL).

Esse programa era a resposta do regime militar à ainda grave situação do analfabetismo no país. O MOBRAL constituiu-se como organização autônoma em relação ao MEC, instalando-se em todos os municípios do Brasil por meio de comissões municipais constituído através de negociações entre o prefeito e a sociedade civil local, priorizando-se principalmente aqueles municípios com maior possibilidade de desenvolvimento, fortalecendo o modelo de dominação vigente através de materiais didáticos, livros de integração que transmitiam as idéias relativas à comunidade, pátria, família, deveres cívicos etc.

As orientações metodológicas e as matérias didáticas do MOBRAL reproduziram muitos procedimentos consagrados nas experiências de inícios dos anos 60, mas esvaziando-os de todo o sentido crítico e problematizador. Propunha-se a alfabetização a partir de palavras chave retiradas da vida simples do povo, mas as mensagens apelavam sempre ao esforço individual dos adultos analfabetos, desvinculada da sua condição histórica e social transformando as idéias pedagógicas de Freire num emaranhado de técnicas neutras descontextualizadas, baseadas na alfabetização funcional que na opinião do professor de OLIVEIRA (1985:30), não contribuiu para alfabetizar, mas sim para despolitizar o movimento de alfabetização de adultos por Paulo Freire. Nasceu, pois, com o propósito de não estimular a consciência critica, isto é, com o propósito de não concorrer para a formação de grupos de pressão, não estimulando o exercício da cidadania. 

Na verdade, o MOBRAL foi concebido como um sistema educacional que visava o controle da população, formando opiniões de uma grande camada da população através de um redirecionamento que impedia qualquer prática de libertação e conscientização do ser humano visando à integração a um modelo brasileiro que ansiava para a hegemonia de um regime político.

Em sua totalidade o MOBRAL foi um malogro, seja nas suas intenções eleitoreiras, seja na intenção de promover a alfabetização das grandes massas de iletrados do país. Representou, isso sim, um desperdício enorme de recursos financeiros, ilustrados por dados estatísticos inexistente; nem por isso foi extinto completamente, pois, segundo Cunha (1991: 286), o potencial político eleitoral da organização foi o de maior abrangência em todo território nacional só comparada com a da Igreja Católica o que lhe conferiu argumento para sua extinção.

No entanto, a solução encontrada para o MOBRAL não foi à extinção foi à troca dos nomes da organização, sem, contudo modificar sua estrutura e orientação. Em 1985, o MOBRAL passou, assim a denominar-se, de Fundação Educar, com sede em Brasília. Agora dentro das competências do MEC e com finalidade especificas de alfabetização, essa fundação não executava diretamente os programas, passava a fornecer apoio técnico e financeiro as ações de outros níveis públicos, de 0rganizações não Governamentais (ONGs) e de empresas. 

Conseqüentemente, pouco se alfabetizou após a implantação do regime militar, ao contrário, a educação de adultos foi levada a uma estagnação política e pedagógica vazia e superficial. A Fundação Educar foi extinta em 1990, e no ano seguinte criaram o Plano Nacional de Alfabetização (PNAC) extinto um ano depois. Entretanto, estava sendo definida uma nova concepção de Educação de Jovens e Adultos a partir da Constituição Federal de 1988.

Embalado pelo discurso de desqualificação da educação de pessoas jovens e adultas contido nas propostas de educadores brasileiros e da assessoria do Banco Mundial, a proposta de emenda constitucional introduziu uma novidade por meio de uma sutil alteração no inciso I do artigo 208. O governo manteve a gratuidade da educação pública a todos que não tiveram acesso à escolaridade básica, independente da idade, colocando a educação de jovens e adultos no mesmo patamar da educação infantil, reconhecendo que a sociedade foi incapaz de garantir escola básica para todos na idade adequada.

Apesar do artigo que definiu na constituição a educação como direito de todos, chegamos à década de 90 com políticas públicas educacionais pouco favoráveis a este setor, porque os programas que foram ofertados após 1988 estiveram longe de atender a demanda populacional. Somente alguns estados que sempre tiveram grupos com história política voltada para organização popular se preocuparam em firmar convênios que possibilitasse melhores perspectivas de educação e participação popular.

1.7. Experiências isoladas de educação popular após a década de 80

Foi nesta perspectiva que em 1º de janeiro de 1989 um partido popular assumia a maior cidade do país, São Paulo, com proposta clara de prioridades que possibilitaram a implantação de instrumentos de participação popular. Dentre elas a necessidade urgente de indicar um novo secretario municipal de educação, que pudesse liderar democraticamente a construção de um novo projeto pedagógico e, Paulo Freire foi o escolhido como uma opção mais lógica, membro este do Partido dos Trabalhadores (PT), um verdadeiro mito da pedagogia critica (GADOTTI & TORRES, 1992:12).

Para Paulo Freire o compromisso de um governo democrático à frente da secretaria municipal de educação era, sobretudo o aprimoramento do processo de democratização da escola publica, pois em sua opinião: é possível rever, refazer medidas que aprimorem o processo de democratização da escola publica. É possível o empenho de ir tentando começar ou aprofundar o esforço de tornando a escola publica menos má, fazendo-a pública também. Na opinião de Garote (2001:92), para se tornar possível essa democratização foi necessário respeitar autonomia dos movimentos sociais e suas organizações, abrindo canais a partir da nova administração com muita transparência administrativa.

Com base nesses pressupostos políticos pedagógicos é que se implantou em São Paulo, em 1990, o Movimento de Alfabetização (MOVA), com grupos populares que já desenvolviam trabalhos de alfabetização juntos com outros setores como as igrejas. Ressaltamos que esse movimento não foi idéia de Paulo Freire, pois, para o próprio Freire, ele se originou de uma parceria entre os movimentos sociais e o setor público (SOUZA, 2001:181) O Mova foi estruturado em estreita colaboração como os movimentos populares de alfabetização de adultos da cidade de São Paulo, e, para Gadotti (2001:94), ele fez parte de uma estratégia de ação cultural voltada para o resgate da cidadania: formar governantes, formar pessoas com maior capacidade de autonomia intelectual, multiplicadores de uma ação social libertadora o MOVA-SP estava contribuindo com esse objetivo ao fortalecer os movimentos sociais populares e estabelecer novas alianças entre sociedade civil e Estado.

As ações do MOVA-SP foram norteadas com princípios e objetivos de reforçar e ampliar o trabalho dos grupos populares que já trabalhavam com alfabetização na periferia, possibilitando ao educando uma leitura critica da realidade e conscientização política, reforçando o incentivo à participação popular e a luta pelos direitos sociais do cidadão. Diferente das campanhas realizada durante os vinte anos de ditadura militar, em que se primara pela preservação da ordem e, pela desumanização em massa.

A filosofia do MOVA demarcou uma nova concepção de educação e de alfabetização baseados na concepção libertadora de educação onde o alfabetizando era ativo em seu processo de conhecimento e, como sujeito histórico também constituía com o educador e a educadora, os sujeitos construtores da dialogicidade no processo de alfabetização e de todos os processos educativos emancipadores.

Para Paulo freire, a alfabetização é vista em profundidade, não é apenas o momento em que mecanicamente a mente burocrática do educador inicia o tratamento burocratizante da mente dos alfabetizando, recheando-as de frases, de palavras, de sílabas, de letras e de exclamações (FREIRE, 2000:116). Ela é, sobretudo um encontro político pedagógico de reinvenção da linguagem escrita e necessariamente lida, e, portanto, deve, por sua seriedade constituir um tempo de introdução, respeitando o saber do senso comum, aproximando os alfabetizando de uma compreensão da linguagem.

O projeto MOVA é um dos raros exemplos de parceria entre sociedade civil e Estado, onde os grupos, engajados numa política de educação para humanização, recebiam da prefeitura recursos financeiros e técnicos, sem perderem suas identidades; diferente das políticas e programas de educação de adultos adotadas em toda a América Latina, onde estes estão baseados, na avaliação de Torres (1992:18), no argumento de que, os programas educacionais representam uma inversão educacional na medida em que refletem uma estratégia econômica do estado cujos objetivos é que as pessoas tenham uma melhor formação e acesso a cargos mais interessantes no mercado de trabalho. 

Ressaltamos a coerência desses argumentos em relação a esses programas educacionais para adultos. Até que ponto em uma sociedade dependente estes representaria, como pretendem freqüentemente os políticos, uma resposta real a nova demanda de mão-de-obra capacitada? Por meios de programas insuficientes que não preparam sequer para empregos primários. Para Torres (1992:24), está claro que os programas de educação de adultos não podem preencher a brecha existente entre os modos de produção tradicional e muito menos os avançados, nem tão pouco satisfazer as necessidades dos pobres em curto prazo.
Estudos realizados têm comprovado que na América Latina, a população que necessita de educação e alfabetização é muito especifica, porque na maioria é constituída de uma população rural ou estabelecida há pouco tempo nas cidades, e não existe uma preocupação por parte do governo em criar programas que considerem o perfil psicológico ou as necessidades concretas, políticas e econômicas dos beneficiários (TORRES, 1992:20).

O caráter desse movimento isolado não se compara a nenhuma das campanhas de alfabetização fracassadas, realizadas tanto na América Latina, como, em especial no Brasil, o mútuo respeito às diversidades das pessoas envolvidas, o empenho de se governar junto aos movimentos sociais, e, sobretudo, o compromisso de se garantir participação crítica dos alfabetizando no processo político. 

O MOVA-SP foi uma nova e importante contribuição associada a outros programas da secretaria municipal de educação de São Paulo, como o ensino regular e o supletivo. O que mais interessava aos seus idealizadores e aos movimentos populares era que o projeto tivesse continuidade como parte integrante do sistema municipal, mas isso não aconteceu, a administração que assumiu a prefeitura em 1993 extinguiu o projeto, e, na opinião de Gadotti (1992:94), o MOVA-SP, fazia parte de uma estratégia de ação cultural voltada para o resgate da cidadania, formar governantes, formar pessoas com maior capacidade de autonomia intelectual, multiplicadores de uma ação social libertadora. A nova administração não comungava desses princípios.

A presença de Paulo freire à frente da secretaria municipal de educação do município de São Paulo, (SP) teve um significado notável para muitos educadores populares que sempre estiveram no terreno da sociedade civil e quase sempre no campo da oposição; essa experiência com os grupos populares consolidou uma prática substantivamente democrática a partir de um intenso e criativo trabalho pedagógico.

Outra experiência isolada de educação de adultos aconteceu em Porto Alegre, no ano de 1989, com a criação do Serviço de Educação de Jovens e Adultos (SEJA) que, desde então, vem desenvolvendo uma proposta educacional com embasamento político- pedagógico voltada aos interesses e necessidades daqueles cidadãos que não tiveram acesso à educação.
A década de 90 está marcada pela ampliação de estudos voltados à educação de adultos, e o SEJA parte do pressuposto que as classes populares, os alunos do programa, possuem um saber cultural, referenciado pela experiência de vida e trabalho deste jovem ou adulto. A proposta educacional do programa SEJA é a de proporcionar a este aluno acesso e apropriação do conhecimento científico, utilizando-se deste para uma leitura mais crítica do seu meio social.
Para Moura (1992: S/p), o conhecimento se refere à teoria, pertence ao outro e isolado não nos auxilia no processo educacional. Porém, quanto ao saber, que nos apropriamos pela experiência prática, é articulado conjuntamente com a teoria, então podemos vislumbrar um real processo de aprendizagem. Quando o saber e o conhecimento estão dissociados, temos a impossibilidade das devidas apropriações por parte do sujeito no processo de aprendizagem, gerando alunos dependentes e sem noção da realidade social que os cerca. 
Nesse sentido, o engajamento do professor passa pela reflexão do fazer pedagógico, pela produção coletiva do compromisso com a criação de professores-pesquisadores; cujas ações das práticas docentes e da pesquisa possibilitam a construção do conhecimento GADOTTI (2001:98). 

1.8. Educação de jovens e adultos na década de 90

Para falar sobre a Educação de Jovens e Adultos (EJA) na década de 90 é necessário retomar a questão política educacional que direcionou durante várias décadas a história brasileira. No plano legislativo, por exemplo, não é de hoje que a educação de jovens e adultos tem espaço no texto legal da constituição brasileira, esta data de 1934 e, praticamente, não saiu mais dela desde essa época. A Constituição de 1934 põe o ensino primário extensivo aos adultos como componente da educação e como dever do Estado e direito do cidadão. Esta formulação avançada expressa bem os movimentos sociais da época em prol da escola como espaço integrante de um projeto de sociedade democrática. Neste sentido, desde 1932, que o manifesto dos pioneiros da Educação Nova liderado por Fernando Azevedo e assinado por vários educadores, conforme Aranha (1996:198), vinham defendendo não só o direito de cada indivíduo à sua educação integral, mas também a obrigatoriedade pública e gratuita, e que, por falta de escolas, mesmo em 1934 após a promulgação da constituinte, esse direito não tinha saído do papel, nem em relação ao ensino primário e principalmente a educação de jovens e adultos, esse manifesto foi de muita importância na historia da pedagogia brasileira porque representou a tomada de consciência da defasagem entre a educação e as exigências do desenvolvimento.