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Documento Base GENPEX

O GENPEX, Grupo de Ensino-Pesquisa-Extensão em Educação Popular (crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos) e Estudos Filosóficos e Histórico-Culturais, constituído em abril de 2000, é o desdobramento da parceria entre o Centro de Cultura e Desenvolvimento do Paranoá - CEDEP e a Universidade de Brasília - UnB. Clique aqui para ler o seu documento base.

GRANDE CONQUISTA: Diretrizes Operacionais da EJA - SEDF

Lançado pela Secretaria de Educação do DF, no dia 26/03/2015, as Diretrizes Operacionais da EJA é resultado de um logo processo de discussão iniciado no ano de 2011 que perpassou 2012, 2013 e 2014. Essa conquista é fruto de um trabalho de construção coletiva entre estudantes, professores, orientadores educacionais, coordenadores, gestores, técnicos, universidade e representantes dos movimentos sociais, a exemplo do GTPA-FÓRUM EJA/DF.

Juntos pela EJA no DF: Currículo em Movimento!

As Plenárias do Currículo em Movimento, uma das ações da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal (DF), por meio da Subsecretaria de Educação Básica, segundo o seu Regimento Interno é um dos espaços voltados ao diálogo político-pedagógico para a reestruturação da modalidade EJA no DF. São coordenadas pela Coordenação de Educação de Jovens e Adultos (CEJAd), em articulação com as Gerências Regionais de Educação Básica (GREB), por meio dos Coordenadores Intermediários de EJA. Para mais informações acesse: http://juntosnaejadf.wordpress.com/.

  • Baixe aqui o Cartaz de divulgação das datas e locais das Plenárias
  • Clique aqui e baixe o Regimento Interno das Plenárias
  • Clique aqui e baixe o Texto Base para Plenárias Regionalizadas
  • Curriculo em Movimento da Educação Básica - EJA - 2013, pdf e livro virtual
  • Orientações Pedagógica de Integração da EP com EM e EJA - 2013 - Minuta, pdf
  • Estratégia de Matrícula 2014 - Rede Pública de Ensino do DF, pdf   

Paulo Freire: O Educador Brasileiro Cidadão do Mundo

 ADUnB
Associação dos Docentes da Universidade de Brasília
Seção Sindical do ANDES-SN

  

A Diretoria da Associação dos Docentes da Universidade de Brasília, por ocasião do X Encontro Pró-albetização do Distrito Federal e Entorno, promovido pelo Grupo de Trabalho Pró-alfabetização do DF e Entorno - GTPA/DF, hoje, Fórum de Educação Básica de Jovens e Adultos-Fórum EJA/DF, dia 24 de maio de 2003, repro­duz uma breve biografia deste educador e o discurso que pronun­ciou na homenagem recebida, quando da instalação do l Fórum Regional do Programa de Alfabetização de Jovens e Adultos em Ceilândia, 30 de agosto de 1996. Esses documentos foram divulga­dos em textos anteriores da ADUnB, o Em tese. Vol. 4.1., Em 31 de outubro de 1997, por ocasião do II CONED (gestão 1996-1998) e avulso, por ocasião do Seminário Paulo Freire, promovido pelo DCE Honestino Vivo, dias 27 a 29 de setembro de 1999 (gestão 1998-2000).

Diretoria da ADUnB - Gestão 2002-2004

 

 

 

PAULO FREIRE
O EDUCADOR BRASILEIRO CIDADÃO DO MUNDO*

 

Brasília, 30/08/96

 

 

Pernambucano de Recife, Paulo Reglus Neves Freire, com­pleta, no próximo dia 19 de setembro, 75 anos de idade, dedicados em grande parte à militância cotidiana e persistente por uma EDUCAÇÃO LIBERTADORA. Formado em Direito, ainda universitário, lecionou língua portuguesa em curso secundário para adolescentes e, em seguida, assumiu a direção do setor de Educação e Cultura do SESI, onde iniciou seu contato com adultos trabalhadores, há 49 anos.

Depois da primeira experiência como professor de Filosofia da Educa­ção na Escola de Serviço Social, prestou concurso, em 1959, e obteve o título de Doutor em Filosofia e História da Educação, assegurando, em 1961, sua nomeação como professor efetivo da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade Federal de Pernambuco, onde como Diretor do Serviço de Ex­tensão Cultural, criou a rádio educativa e com uma equipe de professores, de­senvolveu o chamado "método Paulo Freire de alfabetização de adultos", apli­cado pela primeira vez a 300 pessoas do município de Angicos no Rio Grande do Norte e multiplicado, intensivamente, pelo Movimento de Cultura Popular e Movimento Estudantil. Influenciou a campanha "De pé no chão, também se aprende a ler", realizada pelo então governo popular do Prefeito de Natal - Djalma Maranhão.

Tornando-se uma referência nacional, Paulo Freire foi convidado pelo récem-empossado Ministro da Educação Paulo de Tarso Santos, do governo de João Goulart, para coordenar o Programa Nacional de Alfabetização cuja meta de atingir 5 milhões de adultos os transformaria em eleitores críticos acrescidos ao total de 11 milhões e seiscentos mil até então existentes. Foi em Brasília - setembro de 1963, num círculo de cultura no Gama, diante de um alfabetizando carregando o filho e verbalizando sua descoberta - TU JÁ LÊ - no uso dos "peda­ços" (sílabas) da palavra TIJOLO, que o então ministro convenceu-se da efetividade do "método" e expressou sua vontade política, confiando a coorde­nação do Programa a Paulo Freire, oficializando o Programa pelo Decreto 53.465 de 21 de janeiro de 1964 e liberando os recursos financeiros necessários. Este Programa foi extinto em 14 de abril do mesmo ano pelo governo militar.

Sua infância pobre em Recife, suas dificuldades na adolescência, em Jaboatão, suas atividades com adultos trabalhadores da indústria, sua amorosa convivência com a professora Elza (sua esposa) e seus cinco filhos, sua forma­ção influenciada pelo existencialismo e personalismo cristão, conjugada à efervescência política do desenvolvimento nacionalista populista da conjuntu­ra brasileira, contribuíram para que Paulo Freire aprofundasse seu compromisso e engajamento nas lutas populares, o que resultou na sua prisão e posterior e exílio com o golpe militar de 1964.

Durante 16 anos (setembro de 1964 a junho de 1980) Paulo Freire foiobrigado a viver fora do Brasil. Asilou-se na Embaixada da Bolívia e o próprio embaixador o acompanhou à Bogotá, onde, em pouco tempo, um golpe militar o obrigou a retirar-se. Escolheu o Chile e lá contribuiu na educação e na capacitação e pesquisa em reforma agrária até abril de 1969, quando aceitou o convite para ser professor em Cambridge, Massachusetts e na Universidade de Harvard. Em fevereiro de 1970, mudou-se para Genebra, onde, como consultor especial do Departamento de Educação do Conselho Mundial de Igrejas "andarilhou" pela África (Cabo Verde, Angola, Guiné Bissau), Ásia, América e Oceania. Neste longo exílio, Paulo Freire sistematizou sua experiência no Bra­sil publicando "Educação como prática da liberdade" e elaborou sua obra de referência internacional "Pedagogia do Oprimido", traduzida em inúmeros idi­omas. Para Paulo Freire uma lembrança marcante deste período foi testemunhar o encontro entre Amilcar Cabral e Che Guevara.

Fiel aos mesmos princípios que motivaram seu exílio, Paulo Freire retornou ao Brasil em junho de 1979 no clima de anistia política e declarou, publicamente, sua disposição de "reaprender" seu país. Condições políticas, ainda difíceis, impediram-no de voltar para sua Recife, por isto aceitou o convi­te de ser professor da PUC, vivendo em São Paulo até hoje. A morte de sua primeira esposa, em outubro de 1986, oportunizou a Paulo Freire viver a dor de uma perda que intensamente amorosa, transformou-se no desejo de continuar vivendo amorosamente, casando-se novamente, em 1988, com Ana Maria, ca­rinhosamente chamada de Nita, sua biógrafa.

Paulo Freire é membro fundador do Partido dos Trabalhadores, foi Se­cretario de Educação da Prefeitura de São Paulo no período de 1989 a 1992 na administração da petista Luiza Erundina, quando "mudou a cara da escola pú­blica", realizou o Programa de Alfabetização de jovens e adultos em parceria com os movimentos populares, incluindo o Congresso Brasileiro de Alfabetiza­ção e o l Congresso de alfabetizandos da cidade de São Paulo.

Desde 1987, Paulo Freire é um dos membros do Júri Internacional da UNESCO e, dentre diversos títulos e homenagens de instituições brasileiras e internacionais, recebeu em 1992, por iniciativa da Universidade de Brasília, o Prêmio Andrés BelIo oferecido pela OEA a educadores destacados internacio­nalmente.

 

 
CENTRO DE EDUCAÇÃO PAULO FREIRE DE CEILÂNDIA
CEPAFRE

Fundado e dirigido coletivamente por jovens alfabetizadores de Ceilândia, em 02/09/89, em substituição ao Núcleo Paulo Freire constituído, em 1985, por alunos do Mestrado em Educação da Faculdade de Educação da UnB e estudantes da Escola Normal do Complexo A de Ceilândia na primeira direção eleita das escolas públicas do Distrito Federal.

 

 

 

PAULO FREIRE HOMENAGEADO EM CEILÂNDIA*

 


 

ÚItima conferência do educador Paulo Freire, no Distrito Federal, pronunciada em 30 de agosto de 1996, por ocasião da homena­gem recebida do Governo Democrático Popular do Dis­trito Federal com participação do Centro de Educação Paulo Freire de Ceilândia - CEPAFRE, por ocasião da instalação do l Fórum Regional do Programa de Alfabetização de Jovens e Adultos em Ceilândia, na presença de cerca de 1000 pessoas.

No Salão de Múltiplas Funções (Quarentão), em Ceilândia, o edu­cador Paulo Freire, recebido por uma ala de alfabetizadores e alfabetizandos do PROALFA - Programa permanente de Alfabetização de Jovens e Adultos do Governo do DF, em parceria com a sociedade civil organizada - BRASÍLIA, ONDE TODOS PODEM LER, teve assento à mesa ladeado pela esposa e historiadora Ana Maria Araújo Freire, Vice-governadora Aríete Avelar Sampaio, Secretário de Educação António lbanez Ruiz, Secretário de Parti­cipação Popular Eurípedes Pedro Camargo, Administrador Regional de Ceilândia José Eudes Oliveira Costa, Diretor regional de Ensino de Ceilândia Orlando Oliveira Alencar, Presidenta do Centro de Educação Paulo Freire de Ceilândia Maria Madalena Torres e o pedreiro Valdivino Ferreira da Sil­va pedreiro alfabetizado pelo CEPAFRE (convidado por Paulo Freire para compor a mesa, tendo preparado a placa de cimento, na qual o educador deixou as marcas de suas mãos).

"Minha amigas e meus amigos, que vieram até essa casa participar de uma festa simples, que a mim, me toca muito fortemente. Hoje à tarde, chegamos..., Nita (minha esposa) e eu, à Brasília; e fomos levados até ao Hotel Nacional. Há trinta e três anos atrás eu morei no Hotel Nacional, durante algum tempo, trabalhando com companheiros de Brasília, compa­nheiros do Recife, de São Paulo..., Instalando o que se chamou depois de Programa Nacional de Alfabetização. No quarto do hotel, hoje, eu me lem­brava das noites que voltava das cidades-satélites, aonde vinha escutar e ver o desenvolvimento do processo de alfabetização, ou de educação popular; eu voltava e quase sempre em difícil dormir, pela emoção que me desgas­tava, em face das coisas que eu tinha visto e das coisas que eu tinha ouvido nos debates. A frase que foi hoje citada nos dados biográficos, "TU-JÁ-LÊ", eu ainda tenho hoje a figura do homem moço, com seu filho no braço - a mulher estava doente - e ele ia para o círculo de cultura levando o bebê; eu me lembro ainda quando ele, depois de ver uma companheira criar uma frase, ele se levantou e disse cheio de vida, de força, de certeza, de espe­rança...; Ele disse: “TU-JÁ-LÊ”!"

Me lembro da noite em que um gari da prefeitura de Brasília, discutindo a compreensão da cultura, o que é afinal, a cultura como pro­dução dos homens e das mulheres, através da intervenção dos homens e das mulheres no mundo em que nós fazemos, a cultura como prolonga­mento ou como expressão da nossa curiosidade, da nossa criatividade, da nossa liberdade de mexer no mundo..., e me lembro de que no auge dos debates, e na penumbra da sala (porque isto era feito com projeções de slides), ele gritou: "amanhã vou entrar no meu trabalho com a cabeça prá cima!" Um discurso de força, um discurso de sujeito, e não mais um discur­so de objeto.

Os exemplos que nós tivemos pelo país todo na época, da vivaci­dade do povo, da presença, tornando-se cada vez mais crítica, do povo brasileiro, da capacidade de analisar os fatos, a possibilidade crescente da superação de uma atitude conformista, de uma atitude apassivada, fatalista diante da vida, diante da história. A superação deste fatalismo, foi uma das minhas preocupações durante o tempo em que eu me perguntava sobre como trabalhar num processo de alfabetização (?), e que desde o começo eu já descartava a possibilidade de a alfabetização ser apenas um exercício linguístico, de ordem puramente técnico; a alfabetização prá mim nunca foi BA-BE-BI-BO-BU; BA-BE-BI-BO-BU era um momento da alfabetiza­ção, mas não o fim da alfabetização!, e quando eu me perguntava o que fazer para confrontar um fatalismo explicável nos meus diálogos, por exem­plo, no Nordeste brasileiro dos anos 60, dos fins dos anos 50 em que os camponeses me diziam que os avós tinham sido camponeses, que os pais tinham sido camponeses, que os filhos eram camponeses!..., e eu pergunta­va: e o que é ser camponês? E ela respondeu: é sofrer, é esperar e não receber nunca, é*ser maltratado, é ver a mulher adoecer e não poder socorrê-la, é ver a mulher ficar velha aos 30 anos, é ver o filho sonhar e jamais poder realizar; camponês é isto: é não ter direitos, por exemplo. E eu dizia, e por que isto? Ele disse: "porque assim Deus quer". E a resposta, ora era uma acusação a Deus (porque no fundo havia uma distorção da compreen­são de Deus, que terminava por acusá-lo, quer dizer: Deus, no fundo, era um sujeito malvado); mas..., ora a explicação dependia da força e da von­tade de Deus, ora a explicação se centrava... (INTERROMPIMENTO: se apro­ximar mais do microfone; eu nunca sei mexer com a tecnologia.) ... Ora a explicação se centrava no destino, no fardo, na sina, quer dizer, nós somos assim porque o destino quer que nós sejamos assim. E o que eu queria era, num processo político-pedagógico - que toda a educação é - o que eu queria era desafiar a ingenuidade de nossos companheiros operários urba­nos, favelados, afinal de contas, a nossa enorme maioria; o que eu queria era desafiar a imensa maioria que, coincidentemente também, era analfabeta, no sentido de que, como sujeitos curiosos se tornassem capazes, ape­nas com a ajuda dos jovens educadores, se tornassem capazes de desentra­nhar as verdades ocultas, as verdades escondidas..., quer dizer, no fundo a minha compreensão da prática educativa era a compreensão de uma práti­ca a serviço das classes populares para desocultar verdades escondidas que, favoreciam, enquanto escondidas, favoreciam às classes dominantes. É cla­ro, que eu tinha que ir prá cadeia mesmo!, é lógico que não iam me botar numa praia do Pacífico Sul, isso é lugar prá outro tipo de gente, não prá mim (risos).

Mas, e foi com essas coisas, já montadas, já provadas, já testadas, que eu cheguei à Brasília, trazido pelo então muito jovem ministro Paulo de Tarso, ele estava já convencido!, houve um certo erro histórico na introdu­ção sobre mim quando se disse que foi ouvindo aquela frase do homem ("TU-JÁ-LÊ") que Paulo de Tarso aceitou e acreditou... Não!, ele acreditou muito antes daquilo; quer dizer, quando a gente partiu prá campanha no Brasil - e iniciando em Brasília - ele já estava absolutamente convicto do ponto de vista político, e do ponto de visto pedagógico também. O traba­lho, afinal, naqueles idos de 60 era um trabalho lindo, essas cidades-satélites ficaram mais ou menos salpicadas de círculos da cultura; nós instalamos trezentos círculos de cultura entre as cidades-satélites que eram extensões de Brasília, trezentos! Quer dizer, nós tivemos um êxito extraordinário com os primeiros resultados que se foram verificando.

E eu me lembro do cuidado com que a gente se comportou para conseguir, ou prá se fixar, num certo tipo de projetor; porque nós trabalhá­vamos com projeção de slides! E eu fiz uma batida pelo comércio de São Paulo, e o projetor mais barato na época, que eu achei, era um projetor norte-americano que custava vinte e cinco dólares a unidade, naquela épo­ca; e eu termino descobrindo um projetor - não de slide, mas de filminho -era um... a gente tinha um filmezinho completo numa sequência... E esse projetor era um projetor polonês: Eu fui então ao Rio de Janeiro e tive um encontro com o embaixador polonês prá estudar a possibilidade, prá fazer uma boa encomenda, eu queria saber o preço. Para vocês terem uma idéia, o projetor polonês chegava ao Brasil - e chegou! a dois dólares e cinquenta, aqui, posto aqui; a dois dólares e cinquenta! eu me lembro de que fizemos um cálculo de quanto custava cada circulo de cultura, e custava quatro dólares, com o material!

E esse mesmo projetor de slide foi apresentado nas televisões brasilei­ras, depois do Golpe de Estado, como o instrumento com o qual o Sr. Paulo Freire pretendia bolchevizar o Brasil. Isso é uma coisa maravilhosa, isso é uma anedota, dá prá rir e não prá chorar! E havia mais: se pedia que, se os pais-de-família encontrassem aquela maquininha diabólica, que por favor, esmagassem, quebrassem aquela maquininha..., prá salvar, prá entregar de novo o país às mãos gostosas de Deus; porque eu tinha querido entregar o país ao diabo.

Mas isso foi um pedaço da minha vida, que eu acho que teve e que continua tendo prá mim uma significação enorme. O que eu aprendi de violência, o que eu aprendi da ideologia como mentira, como esconderijo das verdades do povo, o que eu aprendi o que significa prá nós a perma­nente briga de estarmos de olhos abertos, críticos, diante das mentiras que continuam a ser distribuídas pelo país, e fora do país...

Afinal, o Golpe veio, acabou com tudo; prendeu uma quantidade enorme de jovens pelo país todo. De vez em quando, nas cadeias do Reci­fe, eu me encontrava com um ou outro jovem que eu nunca tinha visto, e ele dizia, olha eu trabalhava no lugar tal, etc., nos minutos rápidos de que dispúnhamos...

Mas eu acho que nada disso foi em vão. Obviamente, que quando eu estive aqui trabalhando não nessa cidade, que nasce depois disso tudo... Mas, por exemplo, o próprio nascimento, nesta cidade, deste sonho da alfa­betização, e que não representa de maneira nenhuma uma espécie assim de continuidade, de cópia de Paulo Freire, mas que significa uma recriação de mim mesmo... Isso, prá mim é um testemunho excelente, de que as coisas que se começam na História, não param, como às vezes se pensa que elas param.

Os militares que pretenderam imobilizar - e o fizeram durante um largo tempo - o processo brasileiro, político..., que pretenderam distorcer os caminhos que o povo estava procurando, e estava construindo..., jamais podiam pensar que trinta e três anos depois do esmagamento de todo aque­le trabalho, que tínhamos iniciado no Brasil todo, trinta e três anos depois daquilo, eu estaria aqui, sendo festejado e homenageado, pelo povo sim­ples, que se alfabetiza ou que alfabetiza, mas que participa, exatamente tanto quanto eu, da busca de nós mesmos! (aplausos da platéia).

Prá mim, estar aqui hoje é uma razão de imensa alegria; faz dois dias que eu estava com Nita em Niterói - duas noites passadas - quando recebi da universidade uma honraria acadêmica; me fizeram doutor honoris cau­sa da universidade, por causa destas coisas! Mas hoje, eu recebo um outro doutoramento, que prá mim tem tanta importância, tanta significação quanto o doutoramento da academia; eu recebo aqui, agora, um doutoramento do povo (o diploma do povo!), um diploma que não está aqui, mas que está na cabeça de todo mundo; no corpo, na imaginação, no sonho... O diploma deve dizer: Paulo, meu camarada, você andou brigando, andou lutando, andou fazendo uma coisas com outros Paulos, com outras Marias..., e essas coisas sempre disseram respeito a nós. Nós agora, aqui em Ceilândia, damos a você um diploma que não é igualzinho ao doutoramento da univer­sidade, mas que tem a mesma significação, porque é o testemunho nosso de que você faz uns trecos certos.

É isso que eu sinto hoje, aqui nessa noite! E outra coisa que eu gosta­ria de dizer a vocês, prá terminar. É que eu estou absolutamente convenci­do, e sempre estive desde a minha mocidade, de que nunca fazemos as coisas sozinhos! O que coube a mim..., talvez mais do que a outras pessoas, foi ter visto, foi ter imaginado, foi ter sonhado claramente com umas coisas que nem todos estavam vendo, ou com o que nem todos estavam sonhan­do, mas que se não tivesse havido a solidariedade de uma quantidade enor­me e crescente de gente que confia em si mesmo, de gente que quer assu­mir um papel sério na história da vida política deste país, se não houvesse gente assim - gente como vocês desta cidade - evidentemente que Paulo Freire estaria esquecido, ou seria convertido a um verbete de enciclopédia; e eu me sinto mais do que um verbete de enciclopédia, eu me sinto gente como vocês, cheio de esperança..., e convencido de que, possa até eu não ver este país mudado, mas não tenho dúvida nenhuma de que terei contri­buído com um mínimo para a mudança desse país, obrigado."

 

 

 

 

 

Transcrição do audiovisual feita por Manoel Jevan, professor de História da Direção Regional de Ensino de Ceilândia/Fundação Educacional do Distrito Federal.

 

 
 
 
 

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