Conferência Regional da América Latina e do Caribe preparatória à VI CONFINTEA

Conferência Regional da América Latina e do Caribe sobre Alfabetização e
Preparatória para a CONFINTEA VI
“Da alfabetização à aprendizagem ao longo da vida:
desafios do século XXI”
Cidade do México (México), 10-13 de setembro de 2008

Documento Final:

COMPROMISSO RENOVADO
PARA A APRENDIZAGEM AO LONGO DA VIDA
Proposta da América Latina e do Caribe

I. CONSIDERAÇÕES GERAIS

Da alfabetização à aprendizagem ao longo da vida é o grande desafio ao qual nos convoca esta Conferência Regional.

Em outras palavras, o desafio de passar de uma alfabetização inicial – que é como continua a ser entendida a alfabetização de pessoas jovens e adultas em muitos países da região – a uma visão e uma oferta educativa ampla que inclua o ensino, ao mesmo tempo em que reconheça e valide as aprendizagens realizadas pelas pessoas, não somente na idade adulta, mas ao longo da vida [1]: na família, na comunidade, no trabalho, pelos meios de comunicação de massa, na participação social, no exercício da própria cidadania.

A educação é um direito fundamental, uma chave que permite o acesso aos direitos humanos básicos, tais como saúde, habitação, trabalho e participação, entre outros, possibilitando assim o cumprimento das agendas globais [2], regionais e locais de desenvolvimento.

Isto implica em reconhecer que estamos diante de um paradigma que concebe o ser humano como sujeito da educação, portador de saberes singulares e fundamentais, criador de cultura, protagonista da história, capaz de produzir as mudanças urgentes e necessárias para a construção de uma sociedade mais justa.

Concepção que contempla não somente a educação formal, mas que incorpora e valoriza a educação não-formal e popular, e supera a visão individualista da aprendizagem, ao propor uma construção social do conhecimento em comunidades de aprendizagem que propiciem o encontro intercultural, intergeracional e intersetorial e a proteção do meio ambiente.

Nessa perspectiva, a alfabetização é um ponto de partida necessário, mas não suficiente, para que cada sujeito do século XXI possa continuar e complementar suas aprendizagens ao longo da vida e exercer os seus direitos de cidadão.

A ESPECIFICIDADE E HETEROGENIEDADE DESTA REGIÃO

A América Latina e o Caribe constituem uma região com grandes especificidades e enormemente heterogênea, formada por 41 países e territórios, onde são faladas cerca de 600 línguas, com realidades muito diferentes em todos os sentidos, incluindo o educativo e especificamente o de educação de pessoas jovens e adultas (EPJA). Essa diversidade entre países e dentro de cada país exige cautela quanto às generalizações e um grande esforço de diversificação, elaboração e melhoramento de políticas e programas, adequando-os a contextos e grupos específicos, considerando entre outras diferenças, idade, gênero, raça, região, língua, cultura e pessoas com necessidades educativas especiais.

Esta é também a região mais desigual do mundo com 71 milhões de pessoas vivendo na indigência e cerca de 200 milhões de pobres. Exclusão educativa e exclusão política, econômica e social são todas faces da mesma moeda. A EPJA situa-se exatamente nessa problemática, entendendo que a educação é uma ferramenta fundamental para lutar contra a pobreza e a exclusão social, mas considerando também a impossibilidade de resolver tal problemática exclusivamente do campo educativo, na ausência de mudanças estruturais e sem a convergência de outras políticas.

Os diversos contextos socioeconômicos, étnicos e culturais da região estabelecem cada vez mais obstáculos à alfabetização e outras formas de aprendizagens entre as pessoas jovens e adultas. Entre esses fatores figuram o desemprego, a exclusão social, as migrações, a violência, as disparidades entre homens e mulheres, todos esses vinculados, em grande parte à pobreza estrutural. Esta situação tem sido agravada, nos últimos tempos, pela crise alimentar, pela crise energética e pelas mudanças climáticas.

AVANÇOS

Nos últimos anos, a EPJA ganhou impulso renovado na região, após um período de recesso nos anos 90, tanto por parte dos governos como dos organismos internacionais. Na maioria dos países ocorreram avanços significativos no plano legal e das políticas, em termos do reconhecimento do direito à educação, à diversidade lingüística e cultural destas nações. Em particular, têm-se retomado as agendas nacionais e internacionais, os planos, programas e campanhas de alfabetização. Foram institucionalizadas, deste modo, ofertas para completar e certificar os estudos de educação primária e secundária para as pessoas jovens e adultas, em alguns casos, vinculados a programas de capacitação e formação para o trabalho.

A oferta educativa não-formal ampliou-se consideravelmente, abrangendo tópicos muito diversos, vinculados a direitos, cidadania, saúde, violência intrafamiliar, HIV/Aids, proteção do meio ambiente, desenvolvimento local, economia social e solidária etc. Em alguns países houve avanços na eqüidade de gênero. Também começou a ter visibilidade a atenção a grupos especiais, como imigrantes e pessoas privadas de liberdade. Os meios audiovisuais e o uso das TICs penetraram no campo da EPJA, em alguns casos a partir de investimentos e intervenções governamentais e de cooperação internacional.

Em alguns poucos países, a EPJA obteve avanços importantes em termos de construção de sistemas de informação, documentação, monitoramento e avaliação dos programas. Também houve, nos últimos anos, estímulo à pesquisa tanto nacional como regional. A cooperação Sul-Sul iniciou-se em muitos desses contextos, com iniciativas regionais e sub-regionais de diversas naturezas.

DESAFIOS

Não obstante, cada um dos avanços apresenta ao mesmo tempo, novos e velhos desafios. Continua sendo grande a distância entre o previsto nas leis e políticas e o efetivamente realizado, colocando-se a necessidade de uma construção mais participativa das políticas e de sua vigilância social por parte da cidadania, em geral, e por parte, especificamente, dos sujeitos da EPJA.

A cobertura dos programas governamentais e não-governamentais continua sendo, em geral, limitada para as necessidades e a demanda efetiva, e continua marginalizando as populações rurais, indígenas e afrodescendentes [3], migrantes, pessoas com necessidades educativas especiais e pessoas privadas de liberdade mantendo ou aumentando a exclusão, em vez de reduzi-la.

A estratégia de integrar pessoas jovens e adultas em uma mesma categoria, não pode deixar perder de vista a especificidade e os desafios de cada grupo etário, considerando que os jovens são um grupo majoritário na região. Entretanto, a oferta educativa para certos segmentos por idade vem sendo priorizada, de maneira geral até os 35 ou 40 anos, deixando de fora a população de mais idade e negando, assim, seu direito à educação, e contrariando a própria adoção do paradigma da aprendizagem ao longo da vida.

A diversificação e descentralização da oferta educativa requerem coordenação e articulação entre os diferentes atores: governos nacionais e locais, sociedade civil, sindicatos, igrejas, empresa privada, organismos internacionais, entre outros.

A igualdade de gênero em vários países surge como uma necessidade, que afeta particularmente as mulheres de populações indígenas e os meninos e homens do Caribe anglófono, desde a educação inicial até a universitária, e também para o campo da EPJA, exigindo políticas e estratégias de ação positiva.

Falta aproveitar melhor, com maior sensibilidade e com espírito comunitário, as novas tecnologias para fins educativos, e aprender lições práticas provenientes das experiências dos países que têm desenvolvido iniciativas pioneiras neste terreno. Também é preciso avançar em termos de monitoramento e avaliação, especialmente na avaliação das aprendizagens, assim como divulgar mais e aproveitar melhor os resultados de pesquisa já existentes, tanto para alimentar a política como para melhorar a prática.

Permanecem como problemas pendentes, entre outros: o sub-financiamento crônico da educação de pessoas jovens e adultas, sua grande vulnerabilidade em termos de participação, institucionalização e continuidade de políticas e programas.

Também, é preciso prestar especial atenção à formação de educadores e educadoras, à pesquisa para a EPJA, em um marco pedagógico-didático que permita atender os contextos e a especificidade da área, apoiando-se para isso nas universidades.

Do ponto de vista de sua coerência com a eqüidade, é necessário reverter as tendências atuais, dando prioridade e atenção com qualidade e pertinência às áreas, aos setores e grupos em desvantagem, como são nesta região as populações rurais, migrantes, indígenas, afrodescendentes e pessoas privadas de liberdade e com necessidades educativas especiais.

II. ESTRATÉGIAS E RECOMENDAÇÕES

Reconhecer que a realização plena do direito humano à educação de pessoas jovens e adultas está condicionada à implementação de políticas de superação das profundas desigualdades econômicas e sociais dos países e da região, torna-se imperativo em matéria de:

POLÍTICAS

1. Reconhecer a EPJA como um direito humano e cidadão que implica maior compromisso e vontade política dos governos nacionais e locais, na criação e fortalecimento de ofertas de aprendizagens de qualidade ao longo da vida, assegurando que a EPJA desenvolva políticas orientadas para o reconhecimento dos direitos à diversidade cultural, lingüística, racial, étnica, de gênero, e inclua programas que se articulem com a formação para o trabalho digno, a cidadania ativa (DDHH) e a paz, de maneira a fortalecer e promover o empoderamento das comunidades.
2. Promover políticas e legislação que integrem a EPJA nos sistemas de educação pública e garantir sua aplicação, estimulando mudanças nas estruturas que as tornem mais flexíveis, promovam a adequação das normas com as metas e desafios, com a criação de observatórios cidadãos de acompanhamento das políticas e uso dos recursos.
3. Construir mecanismos de coordenação em nível nacional, que ajudem a estabelecer uma política integral para promover um trabalho intersetorial e interinstitucional, que articule as ações do Estado com a sociedade civil (movimentos sociais organizados, igrejas, sindicatos, empresários, entre outros), e possibilite uma abordagem holística, assim como o acompanhamento e o controle social.
4. Continuar buscando enfoques que fortaleçam e garantam a aprendizagem ao longo da vida, que incluam a alfabetização e a educação básica; o fomento à leitura e à cultura escrita para a criação de ambientes letrados, como diferentes ferramentas para a superação da desigualdade e da pobreza na região, e de construção de alternativas de desenvolvimento. Nesse sentido, a valorização da educação popular e não-formal é fundamental.
5. Elaborar políticas de formação inicial e continuada de educadores de pessoas jovens e adultas, com a participação das universidades, dos sistemas de ensino e dos movimentos sociais, para elevar a qualidade dos processos educativos e assegurar o melhoramento das condições laborais e profissionais dos educadores e funcionários.

FINANCIAMENTO

6. Recomendar percentuais mais significativos para os orçamentos nacionais de educação – pelo menos 6% do PIB – e assegurar nos mesmos recursos específicos para a EPJA – pelo menos 3% do orçamento educativo – que permitam ser executados com transparência, eficácia e eficiência.
7. Assegurar recursos intersetoriais – nacionais e internacionais de origem pública e privada – para planos, programas e projetos da EPJA, com perspectiva de gênero e reconhecimento da diversidade, que possibilitem o desenvolvimento de políticas de ação positiva e o financiamento de estudos que demonstrem o custo social e econômico de manter amplos setores da população com baixos níveis educativos.

FERRAMENTAS

8. Desenvolver políticas de pesquisa e sistematização de experiências educativas, promover a divulgação do conhecimento, de documentação e circulação das práticas relevantes da EPJA. Fortalecer as redes latino-americanas e caribenhas de pesquisa em EPJA.
9. Desenvolver um sistema de avaliação, informação, registro e monitoramento com parâmetros internacionais, que possibilitem a formulação de políticas a partir da avaliação dos processos, sistemas e métodos, que assegurem a certificação, validação e homologação dos conhecimentos e habilidades.
10. Promover de forma intersetorial e interinstitucional o desenho e a elaboração de material escrito na língua materna que reflita a diversidade cultural dos povos.

INCLUSÃO

11. Desenhar e implementar políticas educativas que favoreçam a inclusão, com eqüidade de gênero e qualidade que contemplem, com enfoque intercultural, as diferentes especificidades de todos os grupos populacionais dos países da região: indígenas, afrodescendentes, migrantes, populações rurais, pessoas privadas de liberdade e pessoas com necessidades educativas especiais.

PARTICIPAÇÃO

12. Fomentar maior participação, em especial dos sujeitos da EPJA, e cooperação entre a sociedade civil, os setores privados e os diferentes órgãos do Estado, mediante a promoção e fortalecimento da modalidade da cooperação horizontal entre os países, e reforçar a cooperação internacional a favor da EPJA.
13. Propor que a UNESCO assuma papel relevante e central para a garantia do direito à educação e, em particular, coordenar as metas estabelecidas nas conferências internacionais e monitorar seus resultados.

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