Skip to Content

O direito essencial, artigo de Paulo Skaf

O processo de inclusão social não pode mais ser analisado à margem do desempenho macroeconômico de qualquer país. O crescimento sustentado implica, necessariamente, melhorar a distribuição de renda e democratizar os benefícios da economia.

De nada adianta expansão significativa do PIB se o avanço não se refletir, também, na renda per capita e na melhoria dos indicadores referentes às prerrogativas básicas da cidadania, em especial alimentação, moradia, saúde e educação. Contemplá-los é decisivo para viabilizar o verdadeiro conceito de desenvolvimento.

Parece não haver discordâncias quanto a esses preceitos. Entretanto, ainda há imensa distância entre a tese e a prática. São numerosos os países nos quais persistem dívidas sociais em patamares inconcebíveis à luz das definições mais contemporâneas de democracia e capitalismo.

Numa visão prática, não há dúvida -como demonstra a experiência bem-sucedida de algumas nações- de que a solução começa na área da educação.

Somente o ensino de qualidade universalizado será capaz de promover oportunidades menos díspares na sociedade, impedindo que classes distintas de renda, como no pior regime de castas, estabeleçam de modo pétreo o destino cultural, acadêmico e profissional das novas gerações.

A educação, portanto, consubstancia o direito humano essencial para a inclusão de milhões de habitantes nos benefícios da economia e o exercício pleno das prerrogativas do civismo. Por isso, é muito preocupante o resultado de recente pesquisa indicando que os estudantes brasileiros, na faixa etária de quatro a 17 anos, ficam, em média, 3,8 horas por dia na escola.

Ou seja, menos do que a jornada mínima de quatro horas prevista para os níveis fundamental e médio na Lei das Diretrizes e Bases da Educação. Ante tais números, constantes de estudo recentemente divulgado pela Fundação Getulio Vargas (FGV), inúmeros especialistas se manifestaram francamente favoráveis ao segundo turno sob responsabilidade da escola.

Ou seja, o aluno o dia todo na escola. Sabemos, é verdade, que o ensino fundamental e o ensino médio não são responsabilidade da União, mas dos Estados e municípios. Porém, considerada a relevância do tema, já é tempo de uma mobilização nacional no sentido de solucionar o problema.

Já houve muitos avanços quanto à garantia de vagas, mas ainda há um vácuo de qualidade, que inclui a permanência diária e a longevidade dos alunos na escola, já que também é elevada a evasão dos jovens antes de concluírem o ciclo básico. O desafio implica a participação da sociedade. De nada adianta cobrar do Estado o cumprimento de modo pleno de uma responsabilidade constitucional se cada um não fizer a sua parte para o sucesso da educação como elemento transformador.

Nesse sentido, o setor industrial tem colaborado no limite de suas possibilidades, como ocorre no âmbito da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), por meio do Sesi-SP (Serviço Social da Indústria). Em suas escolas, já está sendo praticada a jornada integral, e as unidades, além de ensino de qualidade, têm assistência de nutricionista, psicólogo, fonoaudiólogo, médico e, ainda, atividades de esportes, lazer e cultura.

Há, também, a possibilidade de o aluno fazer curso profissionalizante integrado, por intermédio do Senai-SP (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial). Como se observa, soluções são viáveis. Entretanto, será necessária, nos próximos anos, firme vontade política para que o ensino seja convertido, de fato, em prioridade dos países emergentes e em desenvolvimento.

Para isso, governos, sociedade e os setores produtivos devem associar-se, resgatando as oportunidades de ascensão dos 72 milhões de crianças sem escola em todo o mundo, dos 20% da população do planeta considerados analfabetos funcionais e do volumoso número de alunos que passam pelas salas de aula em tempo insuficiente e saem delas sem adquirir os conhecimentos necessários para uma vida produtiva.

O Brasil, a despeito dos avanços, ainda é parte dessas estatísticas. As soluções, portanto, são urgentes!
(Folha de SP, 31/5)