Skip to Content

"A educação vem em sexto lugar", entrevista com Jorge Gerdau

Presidente do conselho do Movimento Todos pela Educação quer mudar essa realidade ajudando o país a promover a educação para prioridade máxima Poucos colocam em dúvida a importância da educação para o Brasil. No entanto, o bonde não anda. O que acontece que não conseguimos avançar na velocidade que precisamos?

Para falar sobre esse tema, a coluna Direto da Fonte, do jornal "O Estado de SP", convidou Jorge Gerdau Johannpeter, presidente do conselho do Movimento Todos pela Educação. A entidade colocou no ar, sábado, novo comercial da campanha Eu, Você, Todos Pela Educação, estrelado por Mariana Ximenes. Nele, a atriz fala sobre o pai e o incentivo que recebeu dele para ler desde que era pequena.

O MTE é um movimento composto por representantes da sociedade civil, educadores, organizações sociais, iniciativa privada e gestores públicos. Buscam conscientizar a sociedade do óbvio: sem educação, o Brasil jamais será verdadeiramente livre. O país registra avanços no que se refere à universalização do estudo. Entretanto, a qualidade da educação caiu proporcionalmente ao aumento da oferta. Recentes dados do Ministério da Educação, publicados pelo Estado, provam ser insuficientes os esforços pró-educação.

Dos beneficiários do Bolsa Família, que algum dia já se chamou Bolsa-Escola, 18% abandonam a escola. A pesquisa aponta que boa parte dessa perda se dá por falta de interesse. Ou seja, mesmo sabendo que serão cortados do programa do Governo Federal e que não mais receberão o benefício, permitem aos filhos que optem pela ignorância. Gerdau, que recebeu a coluna em seu escritório paulista, pondera que, infelizmente, o tema da educação ainda não é tratado como um programa de gestão técnica. "Não se analisa claramente o cliente: a criança."

Para ele, o Brasil precisa discutir o assunto-problema de forma fria. "Antigamente, tínhamos educação de elite em colégios públicos. A qualidade era muito boa. Quando a educação começou a ser massificada - dentro da filosofia correta de se universalizar o processo - começou também a queda da qualidade."

Depois de mais de duas horas de conversa com o presidente do conselho do Grupo Gerdau, grande responsável pelo crescimento e expansão da empresa, pode-se deduzir que há um longo caminho a percorrer. E que parte dessa estrada passa pela real identificação do problema. "Pelo ranking de prioridades destacadas pela população em pesquisas nacionais, a educação vem em sexto lugar. Precisamos mudar isso." Leia os principais trechos da entrevista: - Como o senhor se interessou pelo tema da educação?

Quando comecei a exigir índices de produtividade nas empresas sem sucesso. A cada pressão, meu pessoal me perguntava: "Eles só têm o terceiro ano primário. Como é que tu queres o mesmo patamar de produtividade de um operário japonês?". Aquilo me irritava. Então implantamos um processo de educação maciça no Grupo. O funcionário sai da escola e entra na capacitação profissional. O investimento é de, no mínimo, 70 até 100 horas para cada um. Hoje posso dizer que na Açominas, por exemplo, somente 0,6% de nossos empregados não têm grau escolar médio.

- Mas educar não é uma função do Estado? Não pagamos impostos para tanto? Eu diria que a gente paga imposto, sim. Mas quando se vive em um país em que a educação é a 6º prioridade, ou se trabalha nesse troço ou vamos viver o resto da vida sem condições competitivas mundiais. Como você acha que a Embraer disputa? Ela tem pessoas altamente capacitadas. Se deixar na mão do Estado, não chegamos a um resultado condizente. Essa questão tem um conceito mais amplo. Teoricamente, delegamos para o Estado. E o resultado é este que existe. Ou seja, é inaceitável.

- E o Estado delegar este tipo de problema para a iniciativa privada solucionar, também não é inaceitável? Se este país quiser realmente atingir patamares envolventes, um bom IDH, um lugar no ranking que não seja o 88º, o que devo fazer? Não vou ficar de espectador. Como sociedade, temos que participar do processo. É nessa conscientização que o Todos pela Educação trabalha. Esse movimento nasceu com a preocupação de tentar atingir, mobilizar a sociedade civil sobre a importância da educação. Trabalhamos fortemente nas campanhas educacionais para sensibilizar os pais. Eles têm que acompanhar os filhos na escola. E estamos conseguindo verbas fantásticas. Temos artistas declarando em campanhas que é possível acompanhar o filho na educação.

- Como vocês trabalham? Primeiro com esse movimento que acabo de descrever. Depois, estabelecemos metas. A primeira é a de que toda criança e jovem de 4 a 17 anos tem que estar na escola. Nisso, o Brasil já avançou muito. A segunda é que toda criança tem que estar alfabetizada até os oito anos. Se a criança não é alfabetizada no sentido de entender o que lê, ela vai assim até o grau médio. Esta meta dois é decisiva. E estamos ainda longe disso. É uma meta difícil de atingir em todos colégios. Mas é exatamente neste estágio que estamos brigando.

- Quais as outras metas? A terceira diz que todo aluno tem que ter um aprendizado adequado à sua série. A quarta fala sobre o ensino médio, que teria que ser concluído até os 19 anos. E a quinta busca investimento ampliado e bem gerido. Hoje fazemos parcerias com as associações de professores e dentro das secretarias de educação. O Ministério da Educação também tem uma parceria forte conosco. Quando um político, por exemplo, percebe que o povo não está colocando a educação como prioridade, ele também não a trata como prioridade. Nós estamos brigando para mudar esse raciocínio. - É necessário padronizar tudo para atingir as metas? As metas devem ser padronizadas, mas os métodos para atingi-las podem ser diversificados. É um tema muito complexo. Na educação não existe padronização. A diversidade do modo de educar é uma realidade.

- O diagnóstico sobre educação no Brasil está correto? Não está. Não temos, por exemplo, um índice correto do analfabetismo funcional. Talvez o item mais complexo seja conseguir a transparência dos dados. Enquanto não conseguirmos avaliar se a pessoa foi ou não alfabetizada já no segundo ano de estudo, não conseguiremos resultados. Há crianças no quarto ano do curso básico que não conseguem entender o que acabaram de ler.

- Quais números? Somos o 88º no ranking mundial da Unesco no campo da educação. Isso é inaceitável. Além disso, 30% das crianças de quatro a cinco anos estão fora da escola. Sabemos que quando se trabalha com boa alimentação e motivação nos primeiros anos de vida, há um potencial maior de criação de inteligência. Outra bomba é o índice de dois milhões de jovens entre 15 e 17 anos que estão fora das salas de aula. Se não se educar nesse período jovem, carrega-se um analfabeto durante 20, 30, 40 anos. Se queremos desonerar nossos filhos do custo que tem uma sociedade com muitos analfabetos ou excluídos, o melhor investimento é a educação. Por meio dela podemos buscar empregos melhores.

- Como o senhor vê o futuro da educação? A mudança de 7ª prioridade do país para 6ª já é um avançozinho. Em São Paulo, já constatamos, em alguns municípios, que a prioridade subiu para segundo lugar. A educação é a maior empresa do Brasil. Em primeiro lugar, temos que estabelecer onde queremos chegar. Segundo, qual é a situação atual. Terceiro, traçar como faremos para atingir as metas. Aí você passa a capacitar professores e a envolver os pais. E começa então a ter a relação direta com as crianças. Você pensa: se não fizer isso, não chego lá. Posso ter a melhor capacitação de tecnologia, mas se não houver envolvimento pessoal, não haverá resultado.

- Exemplo? Um caso interessante é do secretário César Callegari, de Taboão da Serra. Ele decidiu que toda criança que vai mal na aula terá a própria professora para ajudar na casa dos pais. Conseguiu, com isso, que o município registrasse o melhor resultado na educação primária. Envolver a professora em processo pessoal é complicado. E tenho que premiar esse resultado. Somos a favor da remuneração conforme a produtividade. Uma professora que faz muito e apresenta resultados sobre o aluno não pode ganhar o mesmo daquela que faz pouco. - Faltam recursos para educação? Falta gerenciamento? Eu diria que os recursos são insuficientes em relação ao PIB. Mas o problema hoje é menos de recursos e mais de gestão. O Brasil precisa de mais recursos com melhoria de gestão.

- A saúde já teve seu ICMS. O senhor é a favor da cobrança de ICMS na educação? Não, eu não acho que tenha que criar algo desse tipo. Esse é um mau imposto porque é acumulativo. - O senhor é a favor da centralização da administração do processo educativo? Só podemos trabalhar descentralizados. O Brasil tem que criar dimensões globais. Tem que exigir qualidade e transparência. Mas é impossível trabalhar centralizadamente e reger uma escola municipal do interior diretamente de Brasília.

- A educação vem piorando. Como reverter esse quadro? Já tivemos progressos, mas insuficientes. O Brasil dificilmente poderá ser vencedor em termos de desenvolvimento social se não melhorar os seus números. Somos 88º no ranking mundial da Unesco no campo da educação. Isso é inaceitável. Além disso, 30% das crianças de quatro a cinco anos estão fora das escolas. Outra bomba é o índice de dois milhões de jovens entre 15 e 17 anos que estão fora da sala de aula. Se não se educar nesse período jovem, carrega-se um analfabeto durante 20, 30, 40 anos. Portanto, se quisermos desonerar nossos filhos do custo que tem uma sociedade com muitos analfabetos ou excluídos, vamos ter que andar bem rápido. (Sonia Racy) (O Estado de SP, 24/5)