MEB - Movimento de Educação de Base

O MEB foi criado em 1961, pela CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, com referendo da Presidência da Repúbica e contando com apoio financeiro de vários ministérios, principalmente do MEC – Ministério da Educação e Cultura. Seu projeto inicial era desenvolver um programa de “educação de base” por meio de escolas radifônicas, experiência iniciada, nos anos de 1950, de um lado pelo SIRENA – Sistema Radioeducativo Nacional e, de outro, pela Diocese de Natal, inspirada pela experiência de Sutatenza, na Colômbia. Sua área de atuação seria, sobretudo, o meio rural das regiões consideradas “subdesenvolvidas” do Norte, Nordeste Centro-Oeste do país.

Nos primeiros seis anos de sua experiência, considerados seus “anos dourados”, mudou radicalmente o entendimento do conceito de “educação de base”, passando a considerá-la como o fundamental na formação integral da pessoa humana. O diálogo com os outros movimentos de cultura e educação popular no período, inclusive com as primeiras experiências do Sistema Paulo Freire de Alfabetização de Adultos, e o alinhamento ideológico com a AP – Ação Popular redefiniram sua perspectiva política e mudaram seu modo de trabalhar.

Mas a ampla repercussão da apreensão do livro de leitura Viver é lutar, em meados de fevereiro de 1964, expôs a crise que estava latente entre os bispos em cujas dioceses o MEB havia sido implantado. Esta crise foi radicalizada pelo golpe civil-militar de 31 de março de 1964, a partir do qual os financiamentos foram suspensos e o controle, principalmente das transmissões radiofônicas, foi exacerbado pelas forçar militares. Em meados de 1966, discordando das novas orientações da hierarquia católica, boa parte dos quadros dirigentes se demitiu e os maiores sistemas radioeducativos, sobretudo do Nordeste e do Centro-Oeste, encerraram suas atividades.

Alguns sistemas radioeducativos que permaneceram funcionando regrediram à forma inicial de trabalho. No entanto, ainda nos anos de 1960 e na década de 1970, houve vários esforços no sentido de redinamizar o trabalho realizado nos primeiros anos, por exemplo: planejar a ação a ser desenvolvida, sistematizando a realização de pesquisas para conhecimento das áreas a serem trabalhadas; realizando encontros de didática e promovendo a renovação as emissões educativas.

Estão reproduzidos alguns documentos que mostram esses esforços de renovação: o Roteiro para estudo de área, proposto pelo MEB/Nacional, e o relatório Uma experiência radioeducativa, elaborado pelo Grupo de Assessoria e Produções Educativas do MEB/Fortaleza, ambos de 1972. É significativa também a permanência da ideia da “animação popular”, forma específica de trabalho de organização de comunidades em perspectiva bastante distinta do “desenvolvimento de comunidades” tradicional. As experiências eram registradas pelo MEB e, pelo menos em um caso, foi objeto de pesquisa mais ampla, como demonstra o artigo “Potencialidade e limitações de um programa visando provocar participação rural; uma análise comparativa”, de Gilvando Sá Leitão Rios, publicado na Revista Ciência e Cultura v. 27, n. 8, maio 1975, p. 819-838, também aqui reproduzido.

Nos anos de 1980, por sua vez, surgiu nova perspectiva, agora na Amazônia. Por iniciativa do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri, do Centro de Trabalhadores da Amazônia e do Centro de Documentação e Pesquisa da Amazônia, foi criado no Acre o Projeto Seringueiro. O período era marcado, de um lado, pela intensa penetração de empresas capitalistas no campo, com desmatamento e expulsão de trabalhadores rurais, para a implantação da agropecuária. De outro lado, em reação, organizava-se o movimento social dos seringueiros, sob liderança de Chico Mendes, em luta pela posse da terra e defesa do meio ambiente, cuja proposta fundamental era a criação das reservas extrativistas.

Projeto Seringueiro visava a uma ação abrangente nas áreas da educação de saúde e do corporativismo. A alfabetização era fundamental para libertar o seringueiro da exploração dos fazendeiros e dos intermediários, possibilitando-lhes, basicamente, o entendimento do controle dos produtos vendidos e das compras de subsistência. Era também exigência para a formação das cooperativas, instrumento legal de organização dos seringueiros, para o autocontrole da produção e do consumo.

No projeto, a elaboração do material didático de alfabetização ficou a cargo do CEDI – Centro Ecumênico de Documentação e Informação, entidade precursora da atual Ação Educativa – que retomou, com adaptações, as diretrizes fundamentais da proposta do Sistema de Alfabetização Paulo Freire. Deste, não foram utilizadas as “fichas de cultura” tradicionais, mas partia-se da discussão de situações-problema, retiradas da realidade e introduzidas por uma série de palavras-chave, base para a alfabetização. Em uma metáfora feliz, ao conjunto didático foi dado o nome de Poronga – lamparina usada na cabeça pelos seringueiros quando saem para o trabalho ainda à noite.

O projeto durou três décadas e durante a primeira delas efetivamente visou-se à alfabetização de jovens e adultos e caracterizou-se como verdadeira “alfabetização funcional” para os seringueiros, com horizonte político claramente definido. Nas décadas seguintes, mesmo mantido o elã do movimento, a ação educativa foi progressivamente sendo assumida pelo poder público e a escola dirigida mais às crianças e adolescentes.

Pelo sucesso dessa experiência em Xapuri, o sistema de alfabetização adotado foi assumido pelo MEB para a região do Juruá, ainda nos anos de 1980. Em um primeiro momento, com a mesma assessoria do CEDI, foi produzido o Caderno de Português (edição Juruá). Em um segundo momento, foi produzido o Conjunto Didático O Ribeirinho, composto de Cadernos de Alfabetização, para alunos e monitores, com cartazes para motivação; Cadernos de Matemática, também para alunos e monitores. No entanto, como os princípios adotados na elaboração do programa educativo constam apenas do Caderno de Alfabetização para o Monitor, produzido para o Projeto Seringueiro, estes foram também aqui reproduzidos.

A experiência do Amazonas é singular no MEB, pelo fato de ter efetivamente iniciado após do golpe de 1964, em uma realidade bastante diversa das experiências mais significativas no Nordeste (sobretudo Pernambuco) e Centro-Oeste (especialmente em Goiás). No início assumiu a perspectiva considerada superada das escolas radiofônicas para a alfabetização e a catequese. Mas a própria realidade fez os sistemas locais, embora mantendo as escolas, assumirem tarefas então definidas como de animação popular: organização das comunidades ribeirinhas nos serviços essenciais; reunião em sindicatos dos trabalhadores ribeirinhos, explorados pelos patrões e pelos intermediários; fortalecimento dos aspectos religiosos fundamentais. Durante 40 anos, de 1964 a 2004, os sistemas da Amazônia lutaram por uma forma específica de realizar a ação educativa, inclusive na produção de material didático específico, intermediado de crises e discordâncias com o MEB/Nacional. Reproduzimos, neste documentário, o conjunto didático O Ribeirinho, um artigo, uma monografia e a entrevista de Protásio Lopes Pessoa, primeiro coordenador do MEB/Tefé, o sistema local mais desenvolvido na Amazônia.

Por outro lado, superarando as crises de financiamento e identidade, nos anos de 2000, o MEB teve um novo alento, em primeiro lugar na atuação na região do Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, dentro do Programa Fome Zero do governo estadual; em segundo, tentando dar nova orientação aos trabalhos em desenvolvimento no Maranhão, Piauí, Ceará, Amazonas, Roraima e mesmo no Distrito Federal. Para tanto, foram produzidas diversas versões do Conjunto Didático Saber,Viver e Lutar, todas com o mesma proposta didático-pedagógica, adaptada na linguagem e sobretudo nas ilustrações fotográficas para cada um desses estados. Embora pretenda seguir, nesses materiais, os princípios da pedagogia de Paulo Freire, ela não aparece bem assimilada, como indica a análise feita por Elisa Motta, em MEB: histórias e trajetórias, também aqui reproduzida.