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Matéria sobre o CEPAFRE

 

 

Matéria do Jornal local Tribuna do Brasil sobre o trabalho do CEPAFRE (Centro de Educação Paulo Freire), publicada no Domingo, dia 02 de abril, a partir de uma entrevista com Osmar de Oliveira, presidente do CEPAFRE.

 

 

Sonho de ler e escrever
Autor: Lívio di Araújo

 

   
 

   
No DF, 80 mil sabem, no máximo, desenhar os nomes. Educadores lutam por inclusão

 

Dois pauzinhos que descem e um que cruza no meio. Assim a doméstica Helena Dantas, aos 44 anos, identifica a letra "H", com a qual escreve seu nome. Ela faz parte de uma estatística que ainda assola o país. Em pleno século 21, cerca de 24 milhões de brasileiros – dados do último Censo do IBGE, em 2000 – não são alfabetizados. É um número assustador em relação à quantidade da população (175 milhões) e representa um enorme problema social. São cidadãos que não sabem ler, nem escrever e, por isso, sequer podem exercer sua cidadania. "As pessoas acham que não é verdade. Alguns até riem", conta Helena, tentando disfarçar o constrangimento.
"O termo é pejorativo, eles não gostam", avisa o presidente do Centro de Educação Paulo Freire (Cpafre), Osmar de Oliveira, àqueles que usam a nomenclatura "analfabeto" para falar das "pessoas que não tiveram a oportunidade de aprender a ler e escrever". Segundo Osmar, a palavra é pesada e contribui ainda mais para a baixa auto-estima a que os "excluídos" estão expostos. "Eles são dotados de inteligência e cultura, não podem ser tratados como ignorantes", acrescenta.
A doméstica Luzenice Ferreira dos Santos, 31 anos, concorda com a explicação de Osmar. "Sou uma pessoa muito inteligente. Não é porque não sei ler e escrever que sou burra. Faço até bolo sem receita, decoro tudo", ressalta. Para ela, não ser alfabetizada é a pior das exclusões. "São muitos os desafios, o tempo inteiro".
Segundo Osmar, essas pessoas têm, em geral, muita vontade de aprender e sair da condição "desconfortável" em que se encontram. "Não tem idade para aprender, basta querer", afirma. Ele coordena o Cpafre, Organização Não Governamental (ONG) que, com o apoio da Universidade de Brasília (UnB) e do governo federal, já alfabetizou mais de 8 mil pessoas que moram em Ceilândia. "Estamos com um projeto no Ministério da Educação para ensinar a duas mil pessoas por mês, em todo o DF", adianta. Embora o número pareça pequeno, representa quase 3% dos analfabetos no DF, que somam 80 mil – segundo os dados do IBGE.
No Cpafre, professores da UnB formam os alfabetizadores, que ganham bolsa no MEC pelo projeto Brasil Alfabetizado para ensinarem os adultos a ler e escrever. O curso dura oito meses e o estudante pode freqüentar o ensino médio normalmente. "É diferente do antigo Mobral, que pegava adultos apenas para ensinar a escrever o nome para que eles pudessem votar. Nós trabalhamos com o método de Paulo Freire, que ensina por meio do debate, da troca de experiências de cada um", explica Osmar. A ONG ainda conta com a parceria da Associação dos Educadores Católicos de Brasília, que doa os livros para os estudantes.

Fora das estatítiscas
Luzenice fazia parte da estatística citada por Osmar. Fazia. Ela agora já consegue ler algumas palavras. O nome, escreve desde os 14 anos, mesmo não tendo freqüentado a escola quando menor. "Já consigo ler e escrever o nome de algumas frutas, estados e até carnes. Da última vez que escrevi, a palavra foi Pernambuco, e errei apenas uma letrinha", gaba-se.
Ela está sendo alfabetizada no Sesi do Gama, num curso gratuito, que freqüenta todas as noites. "Estou adorando. Sinto que estou aprendendo e a cada dia aprendo mais. Já conheço o alfabeto inteiro e adoro o professor", conta Lu.
Hoje ela consegue enxergar melhor. "É porque quem não escreve e não lê, praticamente não vê. Lembro que eu tinha que andar com dinheiro a mais na carteira por medo de pegar ônibus errado, hoje não existe mais esse problema", afirma. Ela compara a falta de conhecimentos para ler e escrever com a "cegueira": "Ficamos nas mãos dos outros", conclui.

Serviço:
Centro de Educação Paulo Freire - Cpafre
Núcleo de Práticas Jurídicas da UnB, ao lado do supermercado Tatico - Ceilândia. 3581-1433 / 3373-5022.

Jeitinho brasileiro para driblar os desafios

Helena nasceu em Florânia, município do Rio Grande do Norte. A vida precária de quem vive no sertão nordestino também fez parte da história dela, que trabalha desde os 12 anos como doméstica. "A escola era muito longe da minha casa. Eu saía por volta das 10h30 e caminháva até 13h30 para chegar à sala de aula. Chegava cansada, com fome, dormia na cadeira, não conseguia prestar atenção", relata, deixando escapulir que freqüentava a escola mais pela merenda que pelo aprendizado.
Segundo ela, o colégio lhe deixou um saldo positivo: aprendeu a escrever o nome. Apenas escrever, não a ler. Mas não revolta-se por isso. Ela se acha a maior culpada por não ter aprendido e, hoje, se diz velha para recomeçar. "É chato, mas vou vivendo. Tinha vontade de ler e de escrever um diário, mas já estou velha, não vou aprender", acredita. Para Helena, o pior é carregar o peso da palavra "analfabeto". "Eu não gosto. Pelo menos, assinei todos os meus documentos e não tem essa palavra não. Então, está bom."

Cozinheira de mão cheia
Helena é cozinheira de mão cheia. Faz de tudo: o básico arroz e feijão, comidas típicas do Nordeste e os mais refinados pratos. Bolos, ela os faz como ninguém. E garante que segue a receita à risca. "No começo, alguém lia e eu fazia. Depois quis ser mais independente, não ter que esperar a patroa Iza Rocha chegar. Comecei a criar meu próprio método de decorar as receitas. Algumas eu sei de cor. Outras, eu vejo e anoto as quantidades, sei escrever os números, e coloco na seqüência que eu decorei".
Mas ela também pega ônibus, faz as compras da casa e anota recados para os patrões. "Claro que com as minhas limitações. Nos recados, não consigo anotar o nome, mas o número do telefone eu anoto certinho", diz. Quanto ao ônibus, ela garante: "Só peguei errado duas vezes, porque estava correndo e não deu tempo de parar para ver direito, mas já aprendi. Tem a cor de cada lugar, a 'marca', e a letra que fica no painel. Como moro em Luziânia, a letra é um 'pauzinho em pé e outro que vira assim'", explica Helena, fazendo no ar o formato da letra "L", que ela não sabe o nome, mas aprendeu que é a inicial da cidade onde mora com o marido e para onde vai todos os fins de semana.
Algumas coisas incomodam mais: ir ao banco é uma delas. "A última vez que fui, fiquei revoltada. Estava cheio, tentei colocar dinheiro para minha família no Nordeste e não consegui  ajuda. Fico com medo de mandar errado, não consigo ler o tal do 'confirma' na máquina", conta. (L.A.)

 

Fonte : Tribuna do Brasil
Link: www.tribunadobrasil.com.br/?ntc=15964&ned=1638
Data : 02 de abril de 2006