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Manifesto em defesa da democracia e dos direitos humanos: pela igualdade de gênero na educação.

Vivemos em um país cujo marco legal é baseado na garantia de Direitos Humanos, preconizados pela Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948). A Constituição Federal de 1988, em seu Artigo 3º, inciso IV, estabelece a promoção “do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” e define, ainda, no Artigo 205, a educação como “um direito de todos, garantindo o pleno desenvolvimento da pessoa, o exercício da cidadania e a qualificação para o trabalho”. É a partir destes preceitos fundamentais que iniciamos este manifesto.
Para efetivar esses direitos, o Brasil implementou uma série de políticas públicas com o objetivo de garantir a igualdade de direitos e o enfrentamento a todas as formas de desigualdade e de discriminação. Todas essas políticas são resultado das lutas e dos movimentos populares e democráticos, no Brasil e em todo o mundo. São, também, políticas inspiradas e orientadas por diversos documentos e tratados internacionais, como a Convenção Interamericana de Direitos Humanos (1969); a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (1979); a Conferência Mundial sobre Educação para Todos (1990); o Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global (1992); a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (1994); a Conferência Mundial sobre as Mulheres (1995); a Carta da Terra, divulgada em 2000 como a Carta dos Povos; a Conferência Mundial contra o Racismo (2001); os Princípios sobre a aplicação da legislação internacional de direitos humanos em relação à orientação sexual e identidade de gênero (Princípios de Yogyakarta, 2006); a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, ratificada em 2008 como emenda constitucional no Brasil; e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (2015).
Desde a Constituição Cidadã de 1988, o Brasil seguiu avançando, sancionando leis que reforçam a garantia da liberdade e da igualdade de direitos, como o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996), a Lei Maria da Penha (2006), a Política Nacional para a População em Situação de Rua (2009), o Estatuto da Igualdade Racial (2010), o Estatuto da Juventude (2013) e a Lei Brasileira de Inclusão (2015). Todos esses documentos legais tratam os Direitos Humanos não como valores abstratos, mas como parte de um projeto de sociedade, no qual a democracia se constrói com diálogo e participação social.
O compromisso com os marcos de Direitos Humanos levou o Brasil a criar e implementar ações, projetos e políticas públicas que buscam consolidar um salto civilizatório sem precedentes, tendo o Estado papel fundamental, e não somente os governos. O Poder Executivo, especialmente nos últimos treze anos, tem buscado transformar-se para dar conta das demandas dos povos historicamente excluídos dos espaços de status, prestígio e poder e dos processos de empoderamento, autonomia e voz. Deste modo, o atual desenho institucional do Governo Federal revela o compromisso do Mandato Democrático e Popular com a agenda política dos Movimentos Sociais.
No entanto, conforme chegou ao conhecimento público, o Ministério da Educação e, por consequência, o Governo Federal, sob pressão da onda conservadora e da bancada fundamentalista da Câmara Federal, extinguiu o Comitê de Gênero, instituído pela Portaria 916/2015 (que atendia a expressas disposições políticas no âmbito do próprio governo), e instituiu um novo Comitê, denominado Comitê de Combate à Discriminação, conforme Diário Oficial de 21 de setembro de 2015, uma ação que mais uma vez busca invisibilizar e silenciar as discussões sobre gênero, orientação sexual, identidade de gênero, direitos sexuais e reprodutivos e sobre todas as famílias.
Destacamos que o Plano Plurianual do Governo Federal 2012-2016 adota como meta explícita “a ampliação de mecanismos de gênero nos órgãos do governo federal, com prioridade para os representados no Comitê de Articulação e Monitoramento do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres”, cumprindo, assim, as resoluções da I, da II e da III Conferência Nacional de Política para as Mulheres que, sem dúvida, representaram  e representam as necessidades e os desejos de mais de 52% da população brasileira (Censo 2010, IBGE).
Todos os marcos políticos e legais já mencionados são enfáticos quanto à necessidade da eliminação do preconceito, das práticas discriminatórias, das desigualdades históricas, da intolerância e da violência, não apenas no ambiente educacional, mas a partir dele, o que traz implicações diretas ao currículo. Jogar estes temas para debaixo do tapete ou restringir sua abordagem no ambiente educacional constitui uma negligência, um desrespeito, uma negação aos princípios que regem a educação brasileira, a Constituição Federal e os Direitos Humanos. A sociedade brasileira demanda dos(as) profissionais da educação uma atuação enfática na superação de todas as formas de discriminação e intolerância.
 
Pautadas(os) nestes argumentos apresentados acima, nós, participantes do Seminário Internacional Direitos Humanos e Desenvolvimento Inclusivo, expressamos nossa indignação com este retrocesso protagonizado pelo Ministério da Educação e afirmamos que não podemos nos curvar aos setores que querem acabar com a democracia, com a soberania nacional, e com os direitos conquistados pelos movimentos sociais que são, sem dúvida, avanços civilizatórios para toda a sociedade. Não aceitaremos nenhum direito a menos e nenhum retrocesso. Reivindicamos que a Presidência da República abra o diálogo e explique os motivos da extinção do Comitê de Gênero e como a igualdade de gênero será trabalhada no âmbito do Ministério da Educação.
 
É fundamental reconhecer que todo ser humano é singular, que constantemente nos diferenciamos e que as diferenças não devem ser usadas para classificar as pessoas, tomando como referência padrões preestabelecidos, fixos e inquestionáveis e que estão a serviço de grupos historicamente privilegiados e detentores do poder.  É inadmissível que se atribua valor e importância diferentes a cada um e cada uma, de acordo com seu gênero, raça, etnia, religião, orientação sexual, identidade de gênero, deficiência, origem, idade ou qualquer outra característica. Nenhuma pessoa nasce com preconceito ou com o desejo de controlar a vida do(a) outro(a). São pensamentos e comportamentos que podem se transformar em atos violentos no futuro e que são aprendidos, construídos e mantidos ao longo da vida. Não podemos ser coniventes com isso.
 
Temos compromisso com a educação crítica, emancipatória e cidadã, com a educação em Direitos Humanos, com a educação para a igualdade de gênero, com a educação efetivamente inclusiva. Nesse sentido, este manifesto busca reforçar que todos(as) nós estamos comprometidos(as) a colaborar para que os avanços conquistados sejam mantidos, para combater retrocessos e para fortalecer as ações do Ministério da Educação e de todos os Ministérios do Estado Brasileiro, lembrando que a garantia da dignidade humana e do respeito aos direitos fundamentais devem ser efetivados por absolutamente todas as pastas.
 
Todos e todas nós nos comprometemos a levar este manifesto aos nossos municípios e estados, promover o debate em nossas comunidades e nos manifestarmos de forma enfática no sentido de impedir retrocessos. QUEREMOS UMA PÁTRIA EFETIVAMENTE EDUCADORA E PARA TODOS E TODAS. ESTAMOS NA LUTA PARA AJUDAR A FORTALECER A DEMOCRACIA PORQUE NÃO EXISTE DEMOCRACIA QUANDO HÁ VIOLAÇÕES DE DIREITOS E QUANDO PESSOAS SÃO INVISIBILIZADAS, OPRIMIDAS, SILENCIADAS E DISCRIMINADAS.
Participantes   do  Seminário Internacional Direitos Humanos e Desenvolvimento Inclusivo 21 a 23 de setembro de 2015