III ENEJA – São Paulo/SP – 05 a 06 de setembro de 2001
RELATÓRIO-SÍNTESE DO III ENCONTRO NACIONAL DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS (III ENEJA)*
0 III ENEJA teve como tema a divisão de responsabilidades entre os organismos governamentais das três esferas administrativas e as organizações da sociedade civil para a consecução das metas relativas à educação de pessoas jovens e adultas previstas no Plano Nacional de Educação. Problematizou questões quanto a quem cabe cumprir as metas; analisou os compromissos internacionais da EJA e enfocou questões especificas da educação básica e do significado do mundo da cultura em relação com a EJA; assim como discutiu o sentido do trabalho na construção do currículo. Reuniu delegados estaduais em plenária dos Fóruns e em grupos setoriais, visando ao encaminhamento de proposições e estratégias de luta a serem seguidas pelos diferentes movimentos de resistência que avançam em todo o país em defesa do direito à EJA
CONTEXTO
O III ENEJA se realiza com a participação de cerca de 1.300 pessoas, das quais 240 delegados provenientes de 19 Unidades da Federação; mais de 700 professores, diretores e estudantes de escolas municipais paulistanas; e os demais 340 participantes, outros interessados, em sua maioria professores da rede estadual de ensino paulista, numa conjuntura nacional em que a temática do cumprimento das metas do Plano Nacional de Educação, aprovado em janeiro de 2000 sem previsão de recursos para sua implantação, exige da sociedade civil um enorme esforço de organização para cobrar do poder público – e fazer cumprir -, o acordo aprovado que deverá estabelecer os rumos da educação brasileira para dez anos.
No plano nacional, a contundência das críticas às restrições colocadas pelo governo federal ao financiamento das ações de educação de jovens e adultos, desde o FUNDEF, passando agora pelo PNE, se reforçaram, ao tempo em que se tem sido desafiado a enfrentar novas formas de exclusão cultural, representadas pela marginalização no acesso à linguagem informática, qualificada como “analfabetismo digital”.
No plano internacional, deve-se recordar que durante os anos 90 a ONU organizou diversas conferências internacionais sobre desenvolvimento social, reafirmando que a educação é um direito humano fundamental, “a coluna vertebral do desenvolvimento social sustentado” e a “chave do século XXI”. Em Dacar, 2000, avaliando a década de 90, os países presentes reafirmam seis metas, e a partir daí a UNESCO reúne organizações não-governamentais para debater a temática de educação para todos e uma consulta coletiva internacional realiza-se em Bangkok, Tailândia, em julho de 2001, pouco antes da consulta latino-americana que teve lugar em Santiago do Chile, em agosto de 2001.
Os processos têm propiciado o encontro de dirigentes, educadores e educadoras de toda a América Latina e Caribe que trabalham em espaços governamentais e não-governamentais, favorecendo a conformação de uma visão regional e plural da educação no continente. Por esses diálogos, constata-se que a educação de jovens e adultos é chave para enfrentar as desigualdades e a exclusão social e para alcançar processos inclusivos de desenvolvimento. Constata-se, ainda, que não se pode pensar a construção de cidadanias críticas e ativas sem o fator educativo e que a educação de pessoas jovens e adultas joga um papel estratégico na construção de maior justiça, democracia e equidade.
Delineia-se um diagnóstico de que a educação de pessoas jovens e adultas, na maioria dos países latino-americanos, ocupa uma posição marginal no conjunto do sistema educativo e tem um caráter compensatório, vinculando-se às populações pobres com pouca escolaridade. Constata-se, também, que a maioria dos usuários dos programas de educação para adultos é composta de jovens e que as reformas educativas produziram uma falsa dicotomia entre investir na infância ou nos adultos, privilegiando a primeira. Essa disjuntiva não se sustenta, porque a educação não pode ser reduzida a um mero investimento econômico, e também porque está comprovado que as crianças, cujas mães e pais têm maior nível de escolaridade, têm melhores chances de aprendizagem. Também o diagnóstico indica que não há programas de formação permanentes e de qualidade para os educadores e educadoras de jovens e adultos, e que a pesquisa básica e aplicada é escassa, motivos pelos quais é necessário reforçar o vínculo com as universidades que estão desenvolvendo programas de formação.
Os temas especialmente importantes para a América Latina tratam da manutenção da prioridade concedida à alfabetização; da vinculação da educação de jovens e adultos à geração de emprego e renda; das questões da equidade de gênero; da construção da cidadania (com ênfase na promoção e defesa dos direitos humanos); do desenvolvimento local; e da atenção às peculiaridades culturais dos grupos juvenis, das populações rurais e indígenas. A diversidade de sujeitos e enfoques coloca em pauta a especificidade da educação de jovens e adultos como campo de práticas e conhecimentos.
Os consensos e metas das Conferências de Hamburgo e Dacar fundamentais para o fortalecimento da educação de jovens e adultos na América Latina, reafirmam que a educação é um direito das pessoas em qualquer idade, entendida como processo que se estende ao largo de toda a vida, e que tem nas escolas um espaço privilegiado, mas não único. E responsabilidade indiscutível do Estado e os atuais processos de privatização não podem deixá-la ao livre jogo do mercado. Reconhecida como direito humano, é dever do Estado garantir aos habitantes o desenvolvimento dos conhecimentos, capacidades e valores necessários para integrar-se ativa e criticamente ao desenvolvimento social, econômico, político e cultural de cada país. Integra a educação básica e, apesar da profunda lacuna educativa existente nas sociedades latino-americanas, não deve restringir-se à atenção aos analfabetos, mantendo também no horizonte o problema do analfabetismo funcional, que leva a uma inserção muito precária das pessoas nos processos econômicos e políticos. Ambas as reuniões mencionam que as políticas educativas de jovens e adultos devem ser intersetoriais e interministeriais (compreendendo saúde, trabalho, meio ambiente etc),e devem aproveitar as capacidades instaladas e as experiências da sociedade, desenvolvendo uma nova lógica de cooperação interinstitucional entre os governos, as organizações comunitárias, os grupos empresariais e as organizações não-governamentais.
ÊNFASES NA DEFINIÇÃO DO FUTURO DA EJA NA AMÉRICA LATINA
A primeira ênfase implica situar a EJA como parte substantiva – não apenas como compensatória do sistema educativo, devendo, em todos os países, existir uma instância facilitadora dos processos de EJA: um vice-ministério, uma direção geral, um instituto nacional, que se reflita nos gastos com educação realizados pelos governos.
A segunda ênfase significa aprofundar o sentido próprio da EJA, situada em uma perspectiva de construção de cidadanias e da afirmação do direito à educação, levando em conta os diversos temas, sujeitos e enfoques que formam esse campo. Exige matriz conceituai que ajude a orientar melhor os esforços para fazer uma educação com caráter próprio e específico.
Destaca-se a importância da investigação básica e aplicada, para mapear as experiências significativas da América Latina neste campo e identificar os temas mais agudos que exigem um maior conhecimento. A construção de uma agenda de investigação é uma das tarefas imediatas.
No campo da investigação e da inovação, merece atenção especial a construção curricular dos programas de EJA e a formação de educadores e educadoras. E importante a revisão constante dos conteúdos e de sua estruturação, necessitando-se, para isso, de educadores e educadoras técnicos e profissionais que valorizem o trabalho educativo. O sistema de avaliação dos programas é indissociável dessas novas concepções, para conferir credibilidade aos conhecimentos e habilidades dos educandos.
O incremento de recursos financeiros para essas políticas por parte do Estado é indiscutível, devendo-se, no entanto, ativar novas lógicas de cooperação internacional e nacional em torno de políticas de médio prazo, com monitoramento e avaliação de resultados permanentes.
Para que essas ênfases possam se fazer prática, vislumbram-se algumas ações futuras a serem realizadas, como por exemplo a ratificação da importância de a UNESCO — e de maneira particular a oficina regional para a América Latina — continuar animando esse processo, em nova etapa de produção e definição de políticas. O diálogo, a cooperação e a pressão exercidos por este organismo internacional são importantes.
Do mesmo modo, deve-se chegar às pessoas que estão envolvidas nesses processos, por meio de fóruns nacionais e regionais, fortalecendo processos de interlocução entre as organizações da sociedade civil e os governos em relação ao desenho, à execução e à avaliação das políticas educativas para jovens e adultos. Em 2002 os governos devem apresentar os planos nacionais para o cumprimento das metas de Dakar. Internamente, o plano deve estar concertado à construção de planos estaduais e municipais de educação.
Do mesmo modo, cabe enfatizar a necessidade de espaços de formação nacional e latino-americano, favorecendo a oferta de cursos de atualização na área, voltados tanto para funcionários do governo, como para dirigentes de programas educativos e ONGs.
O esforço de manter articulados os governos democráticos dos países e os movimentos da sociedade civil organizada em favor da Educação de Qualidade para Todos não pode minimizar as necessidades da EJA, nem subestimar seus avanços, principalmente no que diz respeito ao reconhecimento do direito de jovens e adultos à educação, e o dever do Estado em oferecer educação para essa população, não escolarizada.
ENCAMINHAMENTOS A PARTIR DO PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, COM VISTAS AOS PLANOS ESTADUAIS E MUNICIPAIS
• Adesão à campanha de derrubada dos vetos presidenciais ao PNE.
• Luta pela ampliação de recursos para a EJA – política de financiamento para a educação básica como um todo, em longo prazo e assumida pelos vários ministérios, sob a coordenação do MEC.
• Avaliação e aprofundamento dos efeitos do FUNDEF e das demais políticas em vigor.
• Assessoramento aos conselhos para qualificação de suas intervenções.
• Institucionalização da EJA, com vistas a assegurar o direito de todos à educação, sem perder de vista a história e as lutas dos brasileiros na educação popular e na EJA.
• Acionamento dos Ministérios Públicos para a garantia do direito à educação à população jovem e adulta.
• Importância estratégica do envolvimento das universidades na discussão e elaboração dos planos estaduais e municipais em geral e na questão específica da EJA.
DELIBERAÇÕES QUANTO À ORGANIZAÇÃO COLETIVA DOS FÓRUNS E AO IV ENEJA
Como reforço à luta dos Fóruns, os Fóruns de EJA do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais, São Paulo, Nordeste Paulista, Mato Grosso, Tocantins, Pernambuco, Alagoas e da Paraíba, além de representantes de comissões constituídas para implantação dos Fóruns de Goiás, Bahia e Ceará, deliberaram pela criação da Comissão Nacional dos Fóruns, formada por um representante de cada região geográfica, a saber: N – TO; CO -MT; NE – PB; SE – RJ; S – RS e SC (dividindo a representação).
Com vistas à definição da continuidade da realização do evento nacional, os representantes dos Fóruns de Pernambuco, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Espírito Santo se candidataram para sediar o próximo evento, tendo a plenária decidido que esses representantes se reuniriam e avaliariam o melhor local para a realização do IV ENEJA, que recaiu, depois de uma saudável disputa envolvendo negociações, sobre Minas Gerais – MG, a próxima sede no ano de 2002.
* Centro de Convenções do Anhembi, São Paulo, SP, 05 e 06 de setembro de 2001. Equipe de recuperação das anotações para fins deste relatório: Jane Paiva (UERJ); Timothy Ireland (UFPB – Coordenador).