VI ENEJA – Porto Alegre/RS – 08 a 11 de setembro de 2004
HOTEL RITTER – Porto Alegre – RS
8 a 11 de Setembro de 2004
Realização
Fórum Estadual de Educação de Jovens e Adultos do Estado do Rio Grande do Sul, União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação do RS / UNDIME-RS; Universidade de Cruz Alta / UNICRUZ; Federação de Atendimento Socioeducativo do RS / FASE-RS; EJA Universitário; Objetivo; Diálogo Pesquisa e Assessoria em Educação Popular; PUC/RS; SESI/FIERGS; Governo do Estado do Rio Grande do Sul / Secretaria de Educação; Prefeitura de Porto Alegre / Secretaria Municipal de Educação.
Apoios
Centro de Integração Empresa-Escola / CIEE; Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados; Fóruns de EJA; Fundação Bradesco; Ministério do Trabalho e Emprego / MTE; Rede de Apoio à Ação Alfabetizadora do Brasil / RAAAB; Serviço Social do Comércio / SESC Nacional; Serviço Social da Indústria / SESI Nacional; UNESCO; Universidade Luterana do Brasil / ULBRA/RS.
Patrocínio
Ministério da Educação / SECAD; Fundação Abrinq; Natura
O relatório-síntese do VI ENEJA ”Políticas públicas atuais para a educação de jovens e adultos: financiamento, alfabetização e continuidade” está assim estruturado: inicialmente trata do contexto em que o Encontro se realizou, abordando, em seguida, as questões relacionadas aos desafios da EJA, políticas de alfabetização e continuidade, financiamento e diversidade; ao papel político dos Fóruns e dos segmentos que os compõem, ultimando com indicações e deliberações da plenária e encaminhamentos para o VII ENEJA.
CONTEXTO
O ENEJA se realiza, pelo segundo ano consecutivo, em conjuntura nacional favorável à educação de jovens e adultos, do ponto de vista político. Desde 2003 a inflexão causada nas políticas públicas no sentido de assumir o direito de todos à educação, especialmente em relação a jovens e adultos, produziu efeitos significativos no cenário nacional da área. Observa-se, com certo regozijo, que muitas demandas dos Fóruns organizados vieram sendo incorporadas nas agendas políticas, o que, no entanto, não apazigou o temor, quando as mudanças ocorridas no início do ano no MEC ameaçaram o rumo das frágeis conquistas, pelo discurso ministerial insistentemente repetido, por invocação da mídia, sobre a reforma universitária. Aos poucos, no entanto, pôde-se delinear um novo quadro, com marcas favoráveis, referentes à assunção da continuidade à alfabetização, sem o que o direito não se faz, nem há chance de garantir a alteração da condição dos níveis de escolarização do país, pela inclusão do segmento jovem e adulto, a quem o Estado brasileiro deve o ensino fundamental como direito constitucional.
No plano internacional, os acordos referentes à Década da Alfabetização, proposta em Assembléia Geral da ONU, e as novas repactuações da Conferência CONFINTEA + 6, em Bangcoc, Tailândia, põem a UNESCO em diálogo e convocação constante do governo brasileiro, seja para o desenvolvimento de agendas específicas que cumprem determinadas metas, seja para a realização de programas e projetos. A parceria repercute em inúmeras ações, alinhando-se a UNESCO na luta dos Fóruns pelo direito à EJA.
O programa de alfabetização se amplifica, trazendo o sentido renovado da parceria e do respeito às iniciativas já existentes nas administrações públicas e na sociedade, e organiza-se a Comissão Nacional de Alfabetização, reconhecendo e legitimando assento ao movimento dos Fóruns, como interlocutores potentes para a discussão das políticas públicas.
O desafio das conquistas em relação à concepção do que deve ser a EJA, no entanto, não agregou recursos públicos reveladores dessa mudança de curso, da forma esperada. A política econômica segue, ainda, sendo um forte limitador do avanço das áreas sociais, pelos compromissos firmados externamente com agências multilaterais, de pouca flexibilidade no tocante aos remédios amargos receitados aos países em desenvolvimento. No cenário político as disputas econômicas se acentuam, com a recente ameaça de cortes nas receitas, com a desvinculação dos recursos da União – DRU. Estados e municípios tomam posição, diante dos riscos iminentes, alertando para as perdas — e conseqüentemente novas lutas — por recursos para a educação.
A luta social pela derrubada dos vetos ao FUNDEF, que excluiu a EJA do aporte dos recursos, assim como dos vetos ao Plano Nacional de Educação, ambos feitos pelo governo anterior, não chegou a bom termo apesar das esperanças de que a questão se dirimisse em tempo curto. Continua sendo uma preocupação como alternativa de “via rápida”, ao tempo em que o governo negocia um novo Fundo, o da Educação Básica. Também este um Fundo que, por princípio, deve contemplar a EJA, mas sobre o qual os participantes não têm clareza para afirmar que assim se consolide o direito.
O momento é de expectativa, mas também de compreensão de que a disposição de fazer diferente tem sido expressiva na negociação de programas e recursos na área, alterando focos de investimento e modos de gestão, buscando enraizar a EJA nos sistemas públicos, para garantir a continuidade de estudos para todos os que desejam escolarizar-se.
Desafios e perspectivas para a Educação de Jovens e Adultos
As discussões do VI ENEJA apontam que o grande desafio da área está em construir uma educação pautada na dimensão humana. A EJA deve configurar um campo próprio nas políticas públicas, com especificidades. O Estado vem pensando a temática, criando estruturas em níveis municipais e estaduais; cresce o número de professores e alunos. Assume gradativamente um campo nunca efetivamente assistido, na perspectiva de garantia da educação para todos, como direito público subjetivo.
Não o faz, no entanto, sem problemas, face ao número gigantesco do desafio a enfrentar. A pobreza heterogênea e complexa de 55 milhões de pessoas, das quais 24 milhões em condição de pobreza absoluta tem rosto, raça, etnia, perfil, e atinge com violência crianças e jovens, principalmente. Os indicadores educacionais revelam uma face dura dessa pobreza, que quando associada à raça, revela que a escolaridade média de negros até 25 anos é de 6,1 anos de estudo, enquanto entre jovens brancos é de 8,4 anos. Os dados do IBGE do Censo continuam assustando e pesando a cada esforço que se faz de superação: 16,2 milhões de analfabetos; 32,7 milhões de analfabetos funcionais; 53,6 milhões de pessoas que não completaram o ensino fundamental.
No âmbito da EJA, além dos que tradicionalmente conduziram o trabalho de educação de jovens e adultos — movimentos populares, ONGs, igrejas, Sistema S etc.—, outros atores entram em cena, como empresários, com uma perspectiva positivamente agressiva de buscar caminhos mais promissores para a EJA. Tal realidade é, sem dúvida, reflexo de uma sociedade cada dia mais sensível ao direito à educação de qualidade para jovens e adultos, não como assistencialismo, mas direito, na perspectiva da cidadania.
Construir a especificidade da EJA no sistema público, longe de um olhar que reproduza as negatividades do sistema escolar, desnaturalizando os tradicionais currículos, métodos, espaços e tempos, criando estratégias que dêem conta das seguintes perguntas, traduz o desafio: o que é ser jovem e adulto da EJA? Quem são os educandos? Que trajetórias humanas, sociais e culturais têm esses sujeitos? Que histórias marcam suas biografias? Que relações estabelecem com o mundo do trabalho e o quanto este conforma suas subjetividades?
Os participantes do VI ENEJA afirmam que a EJA, por suas características, expressão máxima de processos de exclusão da sociedade, deve combater modelos econômicos excludentes, produzindo identidades e configurações em que o ser humano, na sua integralidade, constitua o eixo central das práticas pedagógicas. Nesse processo, afrontam a globalização, estimuladora de processos educacionais que inviabilizam o diálogo, o olhar para o diferente, para as questões de diversidade — gênero, raça, etnia, intergeracional, interculturalismo etc. — e para o desconhecimento da história da humanidade.
O desafio está em educar ética e cientificamente para a cidadania e manter viva a participação da sociedade civil, das organizações no debate com o governo e demais esferas da vida pública, para continuar organizando lutas sociais que expressem as necessidades sociais, políticas e culturais da população, como vem acontecendo desde 1999 nos Encontros Nacionais de Educação de Jovens e Adultos.
Políticas de Alfabetização e de Continuidade
A resposta pública organizada de programas em nível de alfabetização ainda não garante o direito, previsto constitucionalmente para todos, independente da idade. Para os participantes do VI ENEJA, a alfabetização é assumida como etapa inicial de um processo mais amplo, em que a garantia da escolarização em nível fundamental faz-se pela continuidade, para que se cumpra o direito de todos. Essa continuidade vem acompanhada da discussão sobre as políticas de financiamento da educação. Entende-se que qualquer continuidade está vinculada a recursos que precisam ser melhor distribuídos no âmbito das esferas governamentais e não-governamentais.
Admite-se a necessidade de continuar a haver todo um esforço para o atendimento aos excluídos do direito, tanto por parte do poder público, quanto pelas iniciativas da sociedade, reiterando-se as dificuldades de realização de ações contando apenas com educadores voluntários, o que resulta, quase sempre, em descontinuidade por não se poder responsabilizar esses sujeitos por tarefas de tamanha complexidade.
Avalia-se positivamente a inflexão das alocações dos recursos com prioridade para o setor público, pela possibilidade de essa estratégia apontar mais fortemente para a continuidade de estudos no nível fundamental. Enraizar nas redes públicas a alfabetização, pode significar um passo decisivo para a constituição de políticas efetivas de atendimento e de cumprimento do direito, no tocante à escolarização de ensino fundamental.
Os modos, no entanto, como se pensa a alfabetização, exigem concepções que levem em conta a diversidade dos sujeitos educandos, suas práticas sociais e culturais e do mundo do trabalho, seu estar no mundo — refletidos nas propostas pedagógicas —, mas exigem também a mobilização da sociedade, para assegurar a qualidade do processo, seu acompanhamento, seus resultados.
Relevante ainda na definição política de programas é a formação continuada de educadores, pelo indispensável papel que exercem no desenvolvimento de práticas pedagógicas mais conseqüentes com os fundamentos dos processos de aprender a ler e a escrever. As concepções dos educadores sobre o que é alfabetizar podem significar um diferencial positivo tanto nessas práticas, quanto no desenvolvimento dos programas.
Para a continuidade dos processos de escolarização, reforça-se a importância do acompanhamento ao Programa Brasil Alfabetizado e a demais programas de alfabetização não vinculados às redes estaduais e municipais, ou nos casos em que as redes não se articulam com a diversidade de programas, planejando o ingresso dos alunos.
No âmbito de propostas não-escolares, deve-se observar a perspectiva da EJA como educação continuada, que envolve o aprender ao longo da vida, estimulando o desenvolvimento de projetos que incluam educacional, cultural, e socialmente os jovens e adultos como sujeitos da cidadania.
Políticas de Financiamento
Discutir educação sem financiamento é estar fora da vida real. No oitavo ano de ação do FUNDEF, verifica-se que, por um lado, serviu para colocar mais crianças na escola, passando de uma taxa de acesso — a chamada universalização — de 93% para 97%. Pôde, também, corrigir a remuneração de professores, que passaram a não ganhar menos de um salário mínimo. Tudo isso sem, no entanto, reduzir as desigualdades regionais, fazendo os seus deserdados — a EJA, a educação infantil, o ensino médio — e colocando o ensino fundamental em condição de municipalização irreversível. Desde o segundo ano de existência o FUNDEF deixou de atualizar, como previsto na lei, o valor per capita/aluno. Não alterou, significativamente, a qualidade do ensino: permanência na escola e sucesso ainda passam ao largo dos efeitos do Fundo. O financiamento da educação continua atrelado às definições das agências internacionais que o reduzem para pagar a dívida externa. Por meio de leis, como a de responsabilidade fiscal, exerce-se o controle da expansão da educação, e para a educação de jovens e adultos, no que existe de recursos, trabalha-se com valores menores, justamente por entendê-la como modalidade também menor de educação.
O papel do poder público para fazer frente e responder às demandas da cidadania é indiscutível. No entanto, em poucos municípios brasileiros a secretaria de educação assume o controle direto de seus recursos, sem que até hoje se regulamente o Art. 69 da LDB que preceitua para os dirigentes da área o papel de gestores dos recursos da educação. O controle social não se faz, seja sobre entes públicos, como sobre entes privados. Nenhuma análise de impacto foi feita sobre o que têm significado os investimentos em educação, mas as evidências revelam que apesar desses investimentos, muita gente ainda permanece à margem dos sistemas de ensino, sem escolaridade, sem saber ler e escrever.
O risco que se corre, e para o qual se necessita estar alerta, com a política de recursos executada, é o da substituição, em vez de complementação, de que muitos parceiros se valem, deixando de expandir os sistemas e dar conta da alfabetização e continuidade, como oferta pública.
Em suma, o financiamento da EJA ainda apresenta fortes contradições, entre a concepção de prioridade para a alfabetização e os aportes financeiros efetivos; entre o dever de investir o percentual definido nas constituições federal, estadual e nas leis orgânicas municipais e o efetivamente aplicado; entre o reconhecimento da sua importância e o conhecimento e o debate que o tematizam e aprofundam.
Políticas de Diversidade
Para os participantes do VI ENEJA, a aprendizagem deve estar voltada às especificidades dos alunos, desenvolvendo metodologias próprias para as suas necessidades, atentando-se para sua formação social, ética e política, principalmente quanto ao resgate da cidadania. As políticas de diversidade alteram a ordem dos processos de exclusão, privilegiando o ser humano na sua integralidade, priorizando as diferentes gerações, com ênfase nas juventudes e suas singularidades, nas condições de ser trabalhador, nas questões de gênero, de raça, etnia, diversidade sexual e religiosa, e de respeito à diversidade cultural, entre outros.
Das concepções pedagógicas
Os participantes do VI ENEJA consideram que uma das principais questões a serem enfrentadas na EJA diz respeito à concepção de suplência, alterada pela LDB, que define a EJA como modalidade da educação básica; e reconceitualizada pelo Parecer nº. 11/2000, do Conselho Nacional de Educação. A EJA ainda resiste, como suplência, em centenas de secretarias de educação espalhadas pelo país, revelando processos que não se distanciam dos tradicionais da escola e que, por isso mesmo, não respondem à realidade dos alunos. Para transformar currículos, tempos, espaços, métodos e tecnologias de informação e comunicação multimídia é necessário o envolvimento coletivo e a busca de articulação intersetorial das instituições que conformam a esfera pública. Considerando-se a especificidade dos alunos da EJA e as possibilidades sinalizadas na legislação, encontra-se um campo repleto de desafios, inaugurando inovações educacionais próprias do âmbito dessa modalidade educativa, conforme apontava Paulo Freire.
Novos modos de fazer pedagógico devem compor o significado da EJA, levando em conta o contexto vivenciado pelos educadores, educandos e comunidade, autores e protagonistas da construção dos processos pedagógicos. Rever horários, grades curriculares que aprisionam e excluem os sujeitos, não incorporando sua diversidade é tarefa emergencial que não se faz por lei, mas pela prática, estimulada pelo diálogo, em processos de formação, em encontros e debates, em que se destaca o papel das novas tecnologias de multimídia interativas e de demais linguagens da informação e comunicação. O MEC, pelo seu compromisso atual com a EJA de qualidade e em respeito aos sujeitos desse processo, tem papel preponderante no fomento dessas urgentes mudanças.
A formação dos educadores de EJA tem na universidade um pólo central de formação inicial e continuada. Mas também tem lugar a participação de alfabetizadores sem formação pedagógica de magistério nas propostas não-escolarizadas, e para esses deve-se garantir a conclusão da escolaridade.
As políticas de leitura constituem, sobretudo, elementos fundamentais para a consolidação das aprendizagens do ler e do escrever. Valoriza-se o incentivo à leitura da produção literária nacional e local, assim como a ampliação do acesso à variedade de práticas e gêneros textuais.
Por fim, sugere-se que os processos pedagógicos tenham espaço para incorporar os sonhos e a corporeidade dos sujeitos nos processos de formação.
Papel político dos Fóruns de EJA
Os Fóruns de EJA, como movimento social, caracterizam-se pela diversidade na forma como vêm se constituindo e pela capacidade de mobilização com que se têm instalado, alcançando, atualmente, quase todo o território nacional. Em 2004, são 24 os Fóruns Estaduais presentes, 19 Fóruns regionais e uma comissão pró-Fórum e apresentam a seguinte configuração nos estados e Distrito Federal: Região Norte — Rondônia (RO) e Regional RO (Ji-Paraná), Roraima (RR), Amazonas (AM), Tocantins (TO), Pará (PA), Comissão pró-Fórum do Acre; Região Sul — Rio Grande do Sul (RS), Fóruns Regionais do RS (Serra, Litoral, Fronteira, Santa Cruz, Central, Pelotas, Noroeste, Porto Alegre, Grande Porto Alegre), Santa Catarina (SC), Paraná (PR); Região Sudeste — Espírito Santo (ES), Minas Gerais (MG) e Fóruns Regionais de MG (Vale das Vertentes, Norte, Nordeste, Leste, Oeste e Zona da Mata), Rio de Janeiro (RJ), São Paulo (SP) e Fóruns Regionais SP (Nordeste e Oeste); Região Centro-Oeste — Mato Grosso (MT), Mato Grosso do Sul (MS), Distrito Federal (DF), Goiás (GO); Região Nordeste — Bahia (BA), Fórum Regional BA (Extremo Sul); Piauí (PI), Alagoas (AL), Sergipe (SE), Rio Grande do Norte (RN), Paraíba (PB), Pernambuco (PE) e Ceará (CE).
Com motivações diferentes na origem e no percurso de cada movimento local, os Fóruns compartilham dificuldades comuns e têm instituído táticas de mobilização no enfrentamento dessas dificuldades, produzindo novas formas de ação, traduzidas em proposições de políticas públicas, em nível local, na articulação com estados e municípios. Em nível nacional, em interlocução com a SECAD/MEC, algumas proposições têm sido reconhecidas e legitimadas. Ao tematizar a alfabetização, financiamento e continuidade no VI ENEJA, os Fóruns, como movimento social, chamam para si a assunção da tarefa política de pressão junto ao Governo Federal, no sentido de assegurar recursos necessários para efetivar as ações do Programa Brasil Alfabetizado e da EJA, do PRONERA e do MOVA-Brasil, na perspectiva da educação continuada ao longo da vida. Em nível local, a mobilização dos Fóruns se faz em torno do financiamento, da participação na formulação de orçamentos, na fiscalização e acompanhamento da aplicação de recursos da educação em estados e municípios.
Na expectativa da aprovação do FUNDEB gerada pela sociedade civil o VI ENEJA assumiu posições diferenciadas: a primeira, a que entende que se deve defender a inclusão de todos os níveis de ensino no Fundo, mas alerta à idéia de que esse Fundo ainda não dá conta de resolver o problema do financiamento da EJA. Uma segunda posição recomenda que, concomitantemente ao processo de aprovação do FUNDEB, os Fóruns busquem aprofundar estudos sobre os fundos, oportunizando, em nível local e em nível regional, espaços de discussões mais elucidativas. Como terceira posição, assume-se que cada Fórum encaminhe de maneira efetiva a luta pela derrubada dos vetos ao PNE, defendendo o Plano da sociedade, construído democrática e amplamente pelo Congresso Nacional de Educação (CONED).
Os Fóruns têm oportunizado espaços para o exercício democrático, para a participação e o debate plural, tomando o diálogo como fundamento, fortalecendo a construção coletiva de percursos comuns, em instâncias locais.
Papel político dos segmentos organizados
Os segmentos organizados que integram os Fóruns de EJA nos estados vêm revelando, a cada ano, maior potencialidade e poder articulador. A consciência desses segmentos quanto a alguns aspectos indispensáveis para garantir a educação de jovens e adultos se representa pelas seguintes convergências: reconhecimento de que Fóruns e ENEJAs são espaços cada vez mais significativos da diversidade de atuações e de contribuições múltiplas, e por isso mesmo favorecem o fortalecimento da EJA, como educação de qualidade; necessidade de articulação da EJA com políticas e atividades de geração de renda, vinculadas ao Fórum Brasileiro de Economia Solidária e imediato fortalecimento de políticas de formação do educador, entendido como sujeito jovem e/ou adulto de processos de aprendizagem sobre práticas alfabetizadoras e de formação do leitor-escritor; exigência de fortalecimento da participação dos movimentos sociais em cada estado; aproximação intensiva das demandas da EJA, por parte das universidades, entendendo que a elas cabe prioritariamente o papel de formação, vinculado a projetos de alfabetização e sua continuidade na EJA; necessidade de ampliar pesquisas e estudos sobre a EJA e de desenvolver propostas curriculares na prática; superação da lógica da suplência ainda remanescente nas falas e práticas, assumindo a EJA como direito. Embora se requisite a ampliação de práticas de ensino de EJA nos cursos de formação de professores na universidade, reconhece-se que estas têm tido um papel preponderante na formação de alfabetizadores.
Compromisso com políticas públicas para a EJA: indicações e deliberações do VI ENEJA
Ao encerrar o VI ENEJA, os participantes entendem que este evento marca mais um importante avanço na constituição de políticas públicas de EJA. Se por um lado se avança no tocante à assunção de uma nova concepção do que deve ser a política pública do MEC, abandonando a perspectiva restrita de alfabetização, e ampliando-a para a de educação de jovens e adultos, por outro lado não se verifica, ainda, expressivo financiamento que faça jus à prioridade estabelecida pelo governo federal. Muitos são os desafios a enfrentar, especialmente quando se sabe que os recursos do país, de um modo geral, cedem mais às orientações externas de monitoramento e reserva, do que aos clamores populares no que diz respeito às demandas sociais, exigentes de condições de vida, de trabalho, de educação, de saúde, de habitação etc.
Embora exista uma base legal que autoriza a oferta de cursos (presenciais e a distância) e exames de EJA, há denúncias de cursos aligeirados, com e sem autorização, o que exige do poder público enérgica ação fiscalizadora.
Assumindo os avanços já referidos, mas também apontando as contradições presentes na condução política dos programas na área, o ENEJA não poderia deixar de assinalar a ação pouco incisiva do MEC para a derrubada dos vetos ao Plano Nacional de Educação, como ao FUNDEF, o primeiro e o segundo conformadores de uma lógica que se manteve cruelmente durante todo o governo anterior, quando o lugar da EJA foi mantido como o da subalternidade e do assistencialismo. A despeito de toda a disputa e complexidade que a derrubada dos vetos signifique, não é possível mais esperar. A dificuldade subjacente em romper com o modelo permanece, mesmo quando o discurso se atualiza e é proferido por outros sujeitos, comprometidos historicamente com a EJA.
Deliberações da plenária
A plenária aprovou as seguintes moções:
Moção pela Prioridade da EJA;
Moção em Defesa da Inclusão da EJA no FUNDEB;
Moção de Apoio ao MST, desqualificado em reportagem na Revista Veja,
Moção de Apoio às propostas do MOVA-Brasil, resultantes do último encontro.
Também foi aprovada a carta à Revista Veja de 8 de setembro de 2004, manifestando repúdio quanto ao conteúdo da reportagem sobre a educação no MST.
As temáticas indicadas para o próximo ENEJA são assim resumidas:
A configuração do campo da EJA; O papel do Estado e o dos movimentos sociais e entidades da sociedade civil organizada na construção e execução de políticas públicas de EJA; Novas tecnologias e EaD; Educação no campo: enfrentando as questões do meio rural, Educação Indígena; Economia Solidária.
Alguns pontos de discussão relativos à organização e periodicidade dos ENEJAs foram encaminhados para que o debate aconteça nos Fóruns estaduais e regionais, no sentido de formar juízo crítico, para que no próximo ENEJA venham a ser discutidos em espaço próprio deliberativo. São eles:
Regimento para o ENEJA: questionamento sobre sua necessidade, considerando a natureza dos Fóruns como movimentos sociais.
Tamanho das delegações e características dos participantes: quantos? A participação dos regionais; a presença de não delegados; a exigência de acúmulo e a manutenção parcial da delegação nos ENEJAs.
Avaliação da periodicidade do ENEJA, analisando a perspectiva de ser bienal e de realização de encontros regionais no intervalo dos dois anos.
Revisão da estratégia de pagamento da taxa de inscrição, mantida por necessidades orçamentárias.
Estratégias de revitalização da Comissão Nacional de Fóruns.
Para o VII ENEJA candidatou-se o Fórum do Distrito Federal, apoiado por toda a plenária, que decidiu realizar o evento, em 2005, na cidade de Brasília.
Encaminhamentos para o VII ENEJA
Recomenda-se que o ENEJA seja fruto de uma construção coletiva, resultado da participação e do envolvimento dos Fóruns na sua construção, na definição de suas temáticas, na organização do encontro e na coordenação das mesas. A natureza política do ENEJA precisa ser preservada, pautando-se por ações analíticas e propositivas com relação à educação no país, de modo a influenciar governos na condução das políticas e financiamentos. A insistência para que o direito constitucional à educação seja assegurado a todos, assumido como direito que acompanha a pessoa ao longo da vida, e concretizado não somente pela democratização do acesso, mas pela qualidade da educação oferecida precisa ser a tônica. Há necessidade de mobilizar esforços para que a EJA não seja vista como escolarização compensatória, mas como ação ampla, de característica própria, que envolva mais do que a instrução escolar e técnica do sujeito.
O ENEJA deve buscar formas de assegurar maior independência com relação a entidades governamentais — inclusive financeira — ampliando a participação de movimentos populares e mantendo ativa a interlocução com a RAAAB. Recomenda-se reservar mais tempo para debates e intervenções dos Fóruns regionais, dos segmentos e dos participantes em todas as atividades do Encontro, além da ampliação do tempo reservado às reuniões, por região, dos Fóruns e dos segmentos. Recomenda-se ainda, como primeira atividade da programação, uma reunião dos Fóruns por região, pelo longo tempo passado entre um e outro encontro, o que exige novas atualizações e acordos. Esta atividade deverá ser retomada em momento final do mesmo encontro, para avaliação e balanço da atuação dos Fóruns e do desenvolvimento do próprio ENEJA.
Deve-se envolver educandos e educadores na composição das mesas e fazer mais forte a participação do educador popular; formalizar o segmento educando na delegação; cumprir horários e ampliar a duração do evento; prever um espaço na programação para a reunião da RAAAB e da Comissão Nacional de Fóruns; discutir a qualidade das escolas oferecidas à EJA, currículo, metodologia e financiamento; definir critérios para a seleção de relatos de experiência e de pesquisas a serem apresentados. Recomenda-se garantir espaço físico adequado para a troca de material e socialização das práticas de EJA realizadas nos Fóruns estaduais e regionais.
Como enriquecimento à programação do ENEJA para 2005, sugere-se a seleção de uma experiência significativa em cada Fórum, a ser apresentada com fundamentos, processos, resultados, em momentos específicos, assim como a apresentação de pesquisa de mapeamento das ações das universidades nas dimensões de ensino, pesquisa e extensão.
Recomenda-se aos Fóruns estaduais e regionais a preparação prévia para o ENEJA, debatendo temáticas propostas favorecendo, assim, maior amadurecimento das questões em foco.
Reiterar o convite ao Ministério da Educação, reforçando a importância da participação de representantes do Ministério do Trabalho e Emprego, da Agricultura, das Comunicações, da Justiça, da Cultura, das Cidades, o Grupo Interministerial de Juventude, de atores que discutem e consolidam iniciativas de auto-gestão e de economia solidária, como forma de promover a inclusão social; do Fórum Brasileiro de Economia Solidária; de entidades representativas da sociedade que discutam questões do mundo do trabalho, da saúde, do campo, da inclusão digital.
Equipe de relatoria: Edna Castro de Oliveira (UFES), Eliane Ribeiro (UNIRIO), Jane Paiva (UERJ), José Barbosa da Silva (UFPB)