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EJA – Um direito ainda frágil

Campinas destaca-se no cenário nacional como um importante polo tecnológico, científico e cultural. Apesar disso os índices de baixa escolaridade da população da cidade são alarmantes. Segundo o último censo de 2010, temos 230.808 pessoas, acima de 15 anos, sem Ensino Fundamental completo. Recentemente o Tribunal Superior Eleitoral divulgou dados sobre o perfil de eleitores dos municípios e o quadro de baixa escolarização de Campinas se confirma: dos 807.537 eleitores da cidade, 200.597 não completaram o Ensino Eundamental. Ou seja, 25% da população não tem sequer 9 anos de estudo. Pesquisa realizada no ano passado pelo Instituto Paulo Montenegro, sobre grau do alfabetismo, atesta esse quadro desolador: 30% da população campineira entre 15 e 64 anos se enquadra no perfil de analfabetismo funcional, ou seja, não domina habilidades básicas de leitura/escrita e matemática.

Contraditoriamente, o número de matrículas na educação de jovens e adultos (EJA), modalidade de ensino que atende a população a partir de 15 anos, vem caindo nos últimos anos, fenômeno que não se restringe à cidade de Campinas, mas abarca o país como um todo. Esse cenário coloca sérios desafios para toda a sociedade civil, mas, particularmente, demanda do poder público políticas que garantam a elevação da escolaridade e o acesso à cultura para  esta parcela da população. Em Campinas  as respostas a este desafio têm sido omissas ou, por vezes, tímidas. O governo do Estado de São Paulo, embora seja corresponsável com o  município pela oferta dos anos finais do Ensino Fundamental, praticamente fechou as salasde educação de jovens e adultos presenciais dessa etapa. Omitiu-se de sua responsabilidade alegando falta de demanda, justificativa todavia descabida frente aos dados apresentados.

Nossa Constituição define que jovens e adultos são portadores do direito à educação tanto quanto crianças e adolescentes e é dever do Estado a oferta gratuita. E ainda a legislação responsabiliza o poder público para além da oferta da vaga. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional compromete as esferas de governo com a realização de censo para identificar a população com baixa escolaridade e com o chamamento público. Ou seja, confere ao Estado um papel indutor na busca dos alunos pela escola. Além disso, considerando as características, os interesses, condições  de vida e trabalho dos jovens e adultos, os sistemas de ensino devem oferecer oportunidades educacionais que lhes sejam apropriadas, possibilitandolhes assim o acesso e permanência na escola. O espírito da lei trata o direito à educação de jovens e adultos como uma dívida social a ser saldada. O poder público municipal tem tido uma postura mais condizente com as suas responsabilidades, apesar de ações ainda tímidas diante da gravidade e complexidade do problema. Em 2004 tínhamos na rede municipal de Campinas 191 salas de educação de jovens e adultos nos anos finais do Ensino Fundamental. Passados dez anos esse número caiu para 121, ou seja, foram fechadas 70 salas. Em contrapartida, nos últimos anos, tivemos iniciativas importantes por parte da Secretaria Municipal de Educação para qualificar a oferta da modalidade nesta etapa: elaboração de diretrizes curriculares, integração da EJA com qualificação profissional e formação continuada de professores através de cursos de extensão oferecidos pela Unicamp. A experiência das escolas municipais de Campinas e de outras redes de ensino, assim como os estudos acadêmicos do campo da EJA oferecemnos pistas importantes sobre como avançar na garantia do direito à educação básica para a parcela da população dela excluída: inserir a modalidade EJA nas prioridades educativas do município; articular as ações de todas as etapas do ensino (alfabetização, fundamental e médio); criar instâncias participativas para elaboração, gestão, avaliação e controle social das políticas de EJA; flexibilizar os tempos escolares e diversificar o currículo, em diálogo com as demandas dos jovens e adultos e com as experiências e saberes que já trazem consigo; inscrever as políticas educativas de EJA em ações intersetoriais que  incluam as áreas de trabalho e renda, saúde, cultura, assistência social e transporte. Neste momento, a Secretaria de Educação do Município de Campinas se organiza para o planejamento do trabalho a ser desenvolvido em2015. Hoje temos um grande déficit de professores e especialistas da Rede Municipal de Campinas. Esta situação não pode ser usada como justificativa para precarizar a já frágil oferta da educação de jovens e adultos através da extinção de cursos e da aglutinação de turmas, do corte de recursos financeiros e humanos nesta modalidade de ensino. A dívida histórica que temos para com a população pouco escolarizada de nossa cidade exige uma agenda propositiva para a EJA que conduza a políticas públicas abrangentes, articuladas e duradouras e não a iniciativas frágeis, fragmentadas e pontuais que resultam na negação de direitos.

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Cláudio Borges da Silva é professor de História na educação de jovens e adultos da EMEF Profa. Dulce Bento Nascimento, no bairro do Guará, em Barão Geraldo

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Esta coluna foi originalmente publicada no jornal Correio Popular, na quinta-feira, 18 de setembro de 2014, na seção Opinião.

 

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Correio Popular- Artigo sobre EJA em campinas (1).pdf146.52 KB