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Carta do III Encontro Nacional de MOVAs - Goiânia 2003

CARTA DO 3º ENCONTRO NACIONAL DE MOVAs

 

Ao Sr. Excelentíssimo Ministro,

Cristóvam Buarque.
Ao Sr. Excelentíssimo Ministro,
Cristóvam Buarque.
 

Os mais de seiscentos participantes reunidos no 3º Encontro Nacional de MOVAs, em Goiânia, no período de 10 a 12 de agosto do corrente ano, apresentam as deliberações construídas e aprovadas em plenário.

No Brasil existem mais de 16 milhões de pessoas jovens e adultas analfabetas absolutas e cerca de 65 milhões com escolaridade inferior ao Ensino Fundamental completo, excluídas, portanto, de um direito básico que lhes garante a Constituição nacional.

Inspirados pelo legado de Paulo Freire, diversos grupos e organizações vêm atuando há longa data no campo da alfabetização e da educação básica de jovens e adultos, articulando-se nacionalmente, discutindo e propondo políticas públicas para essa modalidade.

Nesse contexto nacional, uma das grandes ações implementadas foi a parceria entre os Movimentos Sociais e as Administrações Populares municipais e estaduais na construção dos Movimentos de Alfabetização de Jovens e Adultos – MOVAs. Os MOVAs vêm rompendo com as práticas das antigas campanhas com vieses assistencialistas, descomprometidas com a continuidade da escolarização e com a transformação da sociedade brasileira.

Os MOVAs vêm promovendo uma ação alfabetizadora popular que extrapola a visão da alfabetização apenas como decodificação da escrita, pautando-a nos princípios da formação cidadã, envolvendo toda a sociedade civil em parcerias com os poderes públicos para a garantia da alfabetização enquanto ação política e cultural.

Com vistas ao resgate da historicidade dos MOVAs, relembramos que o MOVA-SP, criado em 1989, é o marco inicial de todos os Movimentos de Alfabetização de Jovens e Adultos implementados em Administrações Populares. Como exemplo, citamos Porto Alegre, Alvorada, Cachoeirinha e Caxias do Sul (RS); São Paulo, Diadema, Embú, Mauá, Guarulhos, São Carlos, Araraquara, Ribeirão Pires e Santo André (SP); Angra dos Reis (RJ), Belém e Cametá (Pará); Chapecó, Rio do Sul e Blumenau (SC); Ipatinga (MG). Podemos citar também outros projetos e movimentos de alfabetização alicerçados nos mesmos princípios da educação popular, tais como GTPA/DF, AJA-Expansão de Goiânia (GO) e Ler-Rio Claro. Ainda, em âmbito estadual, mencionamos os estados do Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul e Acre.

De forma dispersa participávamos dos encontros de EJA, de seminários de estudo, em atividades organizadas nos governos locais. Participamos de redes como a RAAAB – Rede de Apoio à Ação Alfabetizadora do Brasil e compomos as reuniões dos Fóruns Estaduais de EJA. Entretanto, isso não era o suficiente.

No 1º Fórum Social Mundial, o MOVA-RS convocou uma reunião com os MOVAs que estavam presentes, com as ONGs paulistas, Ação Educativa e Instituto Paulo Freire. Dessa reunião nasceu a organização do 1º Encontro Nacional de MOVAs, que foi marcado para outubro de 2001. Casualmente, o Encontro coincidiu com o Fórum Mundial de Educação em Porto Alegre, do qual participamos como atividade simultânea.

Na ocasião reuniram-se centenas de participantes de MOVAs de dezenas de Administrações Populares. Como foi a primeira vez que nos encontrávamos em espaço exclusivo, a pauta foi preparada para que fosse feita uma revisão dos conceitos e dos princípios que norteavam essas experiências: 1) conceito de alfabetização; 2) conceito e relações de parceria com a sociedade civil; 3) estrutura do MOVA; 4) formação político-pedagógica; 5) avaliação.

O 1º Encontro Nacional de MOVAs encerrou chamando a organização do 2º Encontro para o MOVA-ABC, em especial para Santo André e Diadema, para julho de 2002, com pauta dirigida ao aprofundamento do conceito de parceria, das questões de gênero, etnia e de portadores de deficiências. Da mesma forma, centenas de pessoas dos MOVAs fizeram-se presentes e, ao final, ficou indicado o 3º Encontro Nacional de MOVAs para Goiânia, em meados de agosto deste ano, tendo como tema central o MOVA como Política Pública.

No 3º Encontro Nacional, uma das principais deliberações tomadas foi a constituição da REDE NACIONAL DE MOVAs, denominada de MOVA-BRASIL. Seu objetivo é favorecer a construção de espaços para a reflexão da práxis e troca de experiências, articular e estimular a expansão das ações de alfabetização de jovens e adultos já existentes no país e promover novas iniciativas de alfabetização orientadas por uma perspectiva de democratização da cultura e da participação popular.

O MOVA-BRASIL reafirma que cabe ao Ministério da Educação coordenar a política de Educação de Jovens e Adultos, através de parceria entre as três esferas de poder, bem como com a sociedade civil, para garantir o direito à Educação Básica em qualquer idade, respeitando a autonomia que o pacto federativo concede às instâncias municipal e estadual de governo.

O MOVA-BRASIL considera as aprendizagens realizadas ao longo da história da educação brasileira e internacional e valoriza os agentes e as iniciativas de alfabetização de jovens e adultos em curso.

No MOVA-BRASIL a alfabetização é concebida como apreensão de conhecimentos básicos de leitura e de escrita da palavra e do mundo, parte de um direito mais amplo que não se restringe à alfabetização, mas que deve atingir o ensino fundamental como requisito básico para a educação continuada durante a vida e para a formação de cidadãos leitores e escritores críticos e éticos, capazes de expressar suas culturas e experiências e de intervir na realidade social, conforme indica a Declaração de Hamburgo (V CONFINTEA, Alemanha,1997).

É importante reafirmar a concepção consagrada na V CONFINTEA, que fortalece a capacidade de lidar com as transformações que ocorrem na economia, no trabalho, na cultura e nas relações sociais, considerando as diferenças geracionais, de gênero, etnia, entre campo e cidade, de portadores de necessidades especiais e de outros grupos.

A história nacional e internacional da Educação desconhece experiências em que os conhecimentos básicos da leitura e da escrita tenham sido alcançados por grandes contingentes populacionais em processos de alfabetização com duração inferior a oito ou dez meses. É essa a concepção assumida pelo MOVA-BRASIL, que não tem qualquer semelhança com campanhas e ações assistencialistas, descomprometidas com a continuidade da escolarização e com a transformação da sociedade brasileira. Tentamos, assim, ultrapassar a visão equivocada de que a universalização da alfabetização de jovens e adultos possa ser alcançada por meio de métodos milagreiros e realizados em curtíssimo prazo.

O MOVA-BRASIL, por sua vez, leva em consideração duas dimensões: a de temporalidade e a de terminalidade. Isso significa dizer que não é possível estabelecer um tempo mínimo como regra geral, uma vez que se respeita a diversidade dos contextos culturais e os tempos de aprendizagem dos educandos(as). Face a isso, a terminalidade está adequada ao que cada indivíduo precisa para alfabetizar-se, portanto o MOVA-BRASIL garante a todos o processo educativo em espaços de tempo diferenciados e de acordo com as especificidades dos sujeitos.

O MOVA-BRASIL, com isso, considera os compromissos relativos à alfabetização e à educação de pessoas jovens e adultas firmados nas conferências internacionais de Jomtien (1990), Hamburgo (1997) e Dakar (2000), orientando-se pelas diretrizes do parecer 11/2000 e pelas lutas populares em defesa da educação pública para todos.

O MOVA-BRASIL articula-se às demais políticas educacionais, sociais e culturais, tais como saúde, renda mínima, reforma agrária, segurança alimentar, geração de trabalho e renda, descentralização da cultura etc.

O MOVA-BRASIL orienta-se pelas metas do Plano Nacional de Educação (PNE), que prevê alfabetizar 2/3 do contingente de analfabetos absolutos nos cinco primeiros anos de vigência da Lei 10172/2001, o que significa oferecer oportunidades de alfabetização a mais de 10 milhões de pessoas com idade superior a 15 anos no decorrer dos próximos quatro anos. A consecução das metas do PNE exige mudanças legais nos mecanismos de financiamento da Educação Básica, incluindo a Educação de Jovens e Adultos, através da constituição do FUNDEB.

Considerando a especificidade da Educação de Jovens e Adultos, o MOVA-BRASIL empreende esforços sistemáticos para a formação inicial e continuada dos alfabetizadores e para a elevação da escolaridade e a profissionalização de todos os educadores nele envolvidos. Deve mobilizar os recursos humanos mais qualificados disponíveis em cada localidade, combinando o critério de escolaridade mínima (Ensino Fundamental completo) com a inserção atuante nas comunidades.

Em virtude do acima exposto, os participantes do 3º Encontro Nacional de MOVAs entendeu encaminhar ao Ministério de Educação as seguintes demandas:

 

·              Reconhecer e legitimar, na elaboração e na implementação de políticas públicas de Educação de Jovens e Adultos, as ações do MOVA-BRASIL.

·              Realizar, o mais breve possível, uma reunião entre a Secretaria Nacional de Erradicação do Analfabetismo e a Coordenação Nacional do MOVA-BRASIL.

·              Garantir representante da Coordenação do MOVA-BRASIL na Comissão Nacional de Alfabetização do Ministério de Educação.

·              Apoiar, política e financeiramente, a realização do 4º Encontro Nacional do MOVA-BRASIL, a ser realizado em Campo Grande-MS, no período de 10 a 12 de junho de 2004.

·              Retomar a Comissão Nacional de Educação de Jovens e Adultos, garantindo 5 (cinco) representantes da coordenação nacional do MOVA-BRASIL.

 

Goiânia, 12 de agosto de 2003
Participantes do 3º Encontro Nacional de MOVAs
Maria Emilia de Castro Rodrigues
Pela Coordenação do 3º Encontro nacional de MOVAs