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Projeto João de Barro

Projeto João de Barro

Em 1965 foi eleito José Sarney, candidato da oposição, como governador do estado do Maranhão. Para romper a estrutura de estagnação mantida durante décadas pelos governos anteriores, o governo José Sarney prometia implantar no estado nova ordem econômica e social, sob o slogan de “Maranhão Novo”, com vista a integrá-lo no “progresso” que atingira o país a partir da década de 1950, especialmente no Centro-Sul.

Para a consecução desse plano, a educação ocupava um lugar de destaque. Entre as várias medidas nessa área, sobressaem: 1) o Projeto Televisão Educativa, que visava a ampliar a oferta do antigo curso ginasial, em São Luís e nos municípios próximos, com salas de aula pioneiramente equipadas, transmissão de conteúdos previamente elaborados e assistência de professores treinados; 2) o Projeto Bandeirante, para a mesma ampliação em municípios do interior, sem aceso à televisão; e 3) o Projeto João de Barro, ofertando a alfabetização e o antigo ensino primário para a população rural, com a intenção de prepará-la para o pretendido desenvolvimento.

Embora já na ditadura militar, esses projetos se valeram de experiências realizadas nos anos anteriores. Os dois primeiros partiram da experiência de um ginásio montado na perspectiva da “escola nova moderna”, realizada em Colinas, no próprio Maranhão, e das propostas de “ginásio orientado para o trabalho”, divulgadas pelo MEC. No caso do Projeto João de Barro, na medida em que o estado não teria recursos para construir escolas tradicionais, retomou-se a proposta da Campanha “De Pé no Chão também se Aprende a Ler”: as escolas, “barracões” de madeira, cobertos de palha, deveriam ser construídas pela própria “comunidade”¹ e o mobiliário montado por carpinteiros, com madeira extraída das matas e pagos pelo estado. Da experiência do MEB – inclusive pela participação de vários ex-integrantes do mesmo na equipe de coordenação, no período inicial (1968-1970) –, foram retomadas, as práticas de estudo de área, reunião com a população para a escolha do local da escola e do futuro monitor, e dos treinamentos. Do Sistema de Alfabetização Paulo Freire, simplificado, a inspiração para a primeira cartilha – que na verdade reproduz algumas produções dos movimentos de cultura de educação popular do início dos anos de 1960, mesmo assim empobrecidos, pelo controle ideológico e policial vigente no período.²

O Projeto João de Barro enfrentou duas contradições fundamentais. Por um lado, sendo uma proposta do Estado, não conseguiu ser uma escola do povo; aos poucos transformou-se em uma escola para o povo. Por exemplo: como os contatos iniciais eram feitos com os prefeitos e com os proprietários ou seus prepostos, a participação popular desejada reduziu-se, após a primeira fase, à distribuição de tarefas: construção do “barracão” e montagem do mobiliário. Às vezes, o monitor escolhido pela “comunidade” não era aceito e substituído pelo prefeito. Era natural, então, que a população reagisse à escola, ou passasse a vê-la útil apenas para seus filhos.

Por outro lado, o projeto de desenvolvimento econômico-social configurou-se rapidamente em uma modernização da produção do campo: grandes extensões de terras devolutas, de propriedade do Estado, foram vendidas a conglomerados financeiros do Centro-Sul, ao mesmo tempo em que se acentuava a grilagem de terras de posseiros, para a criação de gado. Radicalizou-se a violência no campo, acobertada pelas forças policiais e militares; pela força do sistema ditatorial, os sindicatos, antes ativos, haviam se transformado em entidades de assistência. Em consequência, depois de formados os pastos, poucos camponeses passavam a trabalhar como assalariados; muitos migravam de um povoado para outro, em busca da terra cada vez mais escassa, ou para as cidades, empregando-se, por exemplo, na construção civil.

Ao longo dos seus sete anos de existência (1967-1974), quando foi substituído pelo Mobral e pelo Projeto Minerva, o Projeto João de Barro mostrou, primeiro, a inviabilidade da escola, montada conforme as estruturas da máquina burocrática da esfera pública e cimentada pelo poder político hegemônico, confrontar-se com o projeto maior de transformação da sociedade. Em segundo, a impossibilidade de um governo, mesmo pretensamente democrático, efetivamente desenvolver uma educação popular.

Foram produzidas duas dissertações de mestrado sobre o Projeto João de Barro, ambas no Instituto de Estudos Avançados em Educação da Fundação Getúlio Vargas/RJ , aprovadas respectivamente em 1982 e 1985: Arno Kreutz - O Projeto João de Barro; uma experiência oficial de educação popular no Maranhão; e Claudett de Jesus Ribeiro – História de uma escola para o povo; Projeto João de Barro, Maranhão 1968-1974. Ambas estão reproduzidas neste módulo, assim como a cartilha “João de Barro”³.

¹ A designação “comunidade” para o Maranhão, e de resto para praticamente todo o país, é imprópria. A população rural vivia em “povoados”, sem nenhuma estrutura física, e, no caso em questão, por posseiros, os quais, por não terem a propriedade da terra, nem sempre mantinham laços de convivência duradouros; mudavam-se com relativa frequência, principalmente após a implantação das empresas agropecuárias.

² Por exemplo, comparar a cartilha “João de Barro” com Uma família operária – manual de alfabetização para adultos e adolescentes, do CPC de Belo Horizonte, 1962, e Mutirão – 1º livro de leitura, MEB, 1965.

³ No livro de Arno Kreustz ver em particular o anexo: Projeto João de Barro (cópia do original), p.113-124.