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A Experiência da Alfabetização e da Educação Básica de Adultos em Cabo Verde - SILVA, A. C. M. L.

Autor: António Carlos Madeira Lopes da Silva
url: http://www1.worldbank.org/education/adultoutreach/portuguese/doc/CaboVerde-port.doc
acessado:          27/07/2003
 

Durante o período colonial, o ensino básico estava virado para as crianças mais privilegiadas ficando a grande maioria fora do sistema educativo, e os adultos não tinham acesso a esse tipo de ensino. A taxa de analfabetismo em 1975 era de 61,3% e o ensino público tinha uma abrangência muito reduzida.
Com a independência nacional a sociedade caboverdiana passa por grandes transformações econômicos, sociais e culturais e a prioridade estabelecida pelos primeiros governos vai para a educação e mais precisamente para a educação de base de crianças, jovens e adultos.
É nesse momento que se começa a dar os primeiros passos para a implementação de um ensino primário, obrigatório e gratuito de 4 anos para as crianças e se organizam as primeiras campanhas de luta contra o analfabetismo no seio de jovens e de adultos, esta com base no voluntarismo dos estudantes e militantes adeptos ao processo da Independência Nacional.
Era urgente a necessidade de aumentar a participação de toda a população na luta contra o subdesenvolvimento e uma das formas mais eficazes era melhorar a capacidades educativas dessa população.

 

Nessa altura a alfabetização e a educação de adultos define a sua identidade tomando a forma de uma campanha nacional que visava diminuir rapidamente a taxa de analfabetismo, então muito elevada

No início, utilizava-se os materiais didáticos do ensino primário, e ensino era orientado pelo método silábico. As lições partiam de palavras chaves selecionadas e organizadas em função das suas características fonéticas. As silabas deviam ser memorizadas e remontadas para formar outras palavras.
Já em 1976 criou-se o Departamento da Educação Extra Escolar, dependente da Direção Geral do Ensino em 1977 viria aparecer os primeiros manuais próprio para adultos, “No Djunta Mon” inspirado no método de alfabetização cultural de Paulo Freire.
Em 1983 foi elaborado um novo manual, “Dja Djiga Ora” com o apoio do Instituto de Ação Cultural, instituição criada pelo pedagogo Paulo Freire.
Foi esse mestre brasileiro que como coordenador de uma equipa de técnicos muito experientes, apoiou as primeiras campanhas de alfabetização em Cabo Verde, onde a alfabetização e a conscientização aparecem de mãos dadas.
O paradigma pedagógico construído nessas práticas baseia-se num novo entendimento da relação entre a problemática educacional e a problemática social. Antes apontado como causa da pobreza e da marginalização, o analfabetismo passou a ser interpretado como efeito da situação da pobreza, gerada por uma estrutura social não igualitária. 
A alfabetização e a educação de base de adultos partiu de um exame crítico da realidade existencial dos educandos, da identificação da origem dos seus problemas e das possibilidades de superá-los.

Para além da dimensão sócio - política, essas idéias pedagógicas têm um forte componente ético o que implica um profundo comprometimento do educador com o educando, e uma base conscientizadora, de Paulo Freire, cujo o princípio básico está na seguinte frase: “A leitura do mundo precede a leitura da palavra”.
Em 1987 a Direção de Educação Extra Escolar dá lugar a uma Direção Geral e o sub-sistema de educação de adultos ganha maior autonomia. É nesse ano que surgiram novos manuais da 1 e 2ª fases elaborados por autores nacionais, que são utilizados até ao ano letivo 1997/98.
Até ao ano de 1994 Alfabetização e educação básica de adultos fazia-se em duas fases : a primeira e a segunda de 9 meses cada, que equivalia para todos os efeitos a 4 anos de escolaridade primária.
Embora o Estado tivesse um papel preponderante, de 1975 a 1990 as organizações de massa, quer de índole partidário quer sindical e mesmo públicas e privadas abraçaram o lema e participaram direta ou indiretamente no processo, que tinha como meta a diminuição drástica e rápida do analfabetismo que na altura se considerava até certo ponto uma das causas e não o efeito da situação social, cultural e econômica do país.
Em 1990 a taxa de analfabetismo baixa para 38% e estabelece-se uma nova estratégia de alfabetização e educação de adultos, com os seguintes objetivos:
· ampliar o sub sistema de educação de adultos com mais uma fase;
· criar um corpo estável de animadores, com carreira própria integrada no estatuto do pessoal docente;

 

· priorizar a alfabetização de jovens e adultos na faixa etária dos 15 a 35 anos;
· desenvolver atividades de animação para a leitura e formação profissional de base integrados no contexto da animação comunitária;
· implementar micro projetos de formação profissional básicos em articulação com a vertente acadêmica da formação básica de adultos nas 3 fases;
· criar uma rede de leitura pública, móvel e fixa para a luta contra o analfabetismo de retorno a nível nacional.
Com a implementação dessa nova estratégia, novos objetivos surgiram a partir de 1995, objetivos esses que fazem parte das orientações dadas pelo governo e parceiros sociais, e que se refletem quer no seu programa quer no Plano Nacional de Desenvolvimento.
Cria-se legalmente a 3ª fase de educação de base de adultos, que completa um ciclo equivalente a 6 anos de escolaridade básica obrigatória, com experiências piloto em quatro conselhos, Praia, S. Vicente, S. Nicolau e Sal, em 1995/96, cuja a avaliação serviu para que no ano seguinte se generalizasse a experiência para os restantes conselhos do país.
Com esta experiência a alfabetização e a educação de adultos, deixa de ser visto como um fenômeno de campanha, para ser considerado como fazendo parte de um processo de educação permanente de jovens e de adultos, integrado no próprio processo de desenvolvimento comunitário que se quer sustentado. 
O desenvolvimento de atividades de animação comunitária passa a ser considerado a base onde estão integradas todas as outras, desde a alfabetização, como a formação profissional de base e as bibliotecas fixas e móveis e visa a promoção social e cultural quer dos alfabetizados quer das localidades onde vivem. 
As bibliotecas móveis e fixas começaram a ser implementadas através de uma experiência piloto na Praia, no ano de 1995, atualmente cobre os seis conselhos de Santiago, três conselhos S. Antão, dois conselhos do Fogo, e um de S. Nicolau contam com cerca de 25.000 inscritos e mais de 300.000 requisições nas zonas rurais. As bibliotecas móveis percorrem 75 itinerários e 179 localidades rurais.

De 1995 a esta data organizaram-se dois cursos articulados de formação em exercício para os animadores em educação de adultos, vinculados à implementação desse plano curricular, animadores esses que presentemente têm uma carreira própria integrada no Estatuto do Pessoal Docente e que são pagos pelo governo através do Ministério de Educação e Desporto.

Ganhos:
1 – A taxa de analfabetismo passou de 61,3% para cerca de 25% , Segundo o Censo de 2000. Na faixa etária dos 15 a 35 anos, grupo prioritário de intervenção, a taxa de analfabetismo é de 7,6%, estando a maior parte dos analfabetos na faixa etária dos 49 e mais anos, isso resultado analfabetismo de retorno.
2 – Hoje, objetivo da alfabetização e da educação de adultos é Universalização da educação de base de jovens e de adultos equivalente a 6 anos de escolaridade obrigatória e não a simples alfabetização;
3 – Articulação da formação geral (acadêmica) com a formação profissional de base através de micro-projectos. De 1994 a 2000 mais de 6000 jovens de ambos os sexos fizeram uma formação profissional de base em todos os conselhos o país, integrando-se plenamente no tecido sócio econômico do país.
4 – Integração das atividades de alfabetização e educação de adultos no contexto do desenvolvimento local e comunitário.
5 – Criação de uma rede de leitura pública com bibliotecas móveis em 12 dos 17 conselho do país e atendendo fundamentalmente as zonas rurais mais carentes.
6 – Edição mensal de um jornal, “Alfa”, com cerca de 12 páginas, virada, fundamentalmente, para a formação dos alfabetizado e com 8.000 exemplares/tiragem e com 11 anos de existência.
7 – Mais de 95% dos animadores em educação de adultos estão integrados na função pública. Desses animadores, 1/3 já têm a formação adequada e 2/3 a 1ª fase de formação em exercício.
8 – Existência da Carreira do animado em educação de adultos integrada no Estatuto do Pessoal Docente.
9 – Grande capacidade descentralizadora com centros conselhos de alfabetização e educação de adultos em todos os conselhos com grande autonomia;
10 – Existência de uma proposta curricular para a alfabetização e educação de adultos, moderna e flexível, podendo adaptar-se às necessidades da formação de jovens e de adultos em cada região/ilha.
11 – Existência de programas, manuais e guias, elaborados por técnicos nacionais e inseridos no contexto da realidade cabo verdeana;

 

12 – Alfabetização e educação de base de jovens e adultos equivalente à educação de base formal para crianças e adolescentes. Existência de possibilidades de progressão e passagem do sub-sistema escolar para o sub-sistema extra escolar e vice-versa.
13 – Quadros com formação adequada a nível central como resultado de uma política de formação de quadros contínua, tanto a nível profissional como a nível do bacharelato, da licenciatura e mesmo do mestrado.
14 – Experiências em vários conselhos do país a nível do tronco comum, (7º e 8º anos de escolaridade) para adultos que terminaram a 3ª fase com vista a que, num futuro próximo, se possa adaptar a proposta curricular de adultos às novas exigências quer do mercado quer dos intervenientes diretos no processo educativo.
15 – Utilização de metodologias de ensino à distancia, que articula aulas radiofônicas, materiais didáticos próprios e sessões presenciais de tutoria, para cursos de formação ocupacional, formação de professores e de animadores.
16 – Cursos a nível de licenciatura à distancia para jovens e adultos, em colaboração com a Universidade Aberta de Portugal.