Skip to Content

Alfabetização Funcional

Alfabetização Funcional

Na segunda metade dos anos de 1960, a UNESCO passou a rever a ação extensiva das campanhas de alfabetização e educação de base, cujos resultados na maioria dos países não se mostraram significativos quanto à diminuição do analfabetismo. Em consequência redefiniu o conceito de alfabetização, passando a designá-la como alfabetização funcional. Seu conteúdo foi explicitado por Luis Eduardo Soria, técnico da UNESCO trabalhando no CREFAL – Centro de Educación para el Desarollo de la Comunidad em América Latina:

A alfabetização funcional, como a concebe atualmente a Unesco, constitui um processo global e integrado de formação profissional e técnica do adulto – em sua fase inicial – realizada em função da vida e das necessidades do trabalho; um processo educativo diversificado que tem por objeto converter os alfabetizados em elementos conscientes, ativos e eficazes na produção e no desenvolvimento em geral. Do ponto de vista econômico, a alfabetização funcional pretende a dar aos adultos iletrados os recursos apropriados para trabalhar, produzir e consumir mais e melhor. Do ponto de vista social, visa a facilitar sua passagem de uma cultura oral a uma cultura escrita, a contribuir para o melhoramento pessoal e grupal, assim como, mediante sua ativa participação, conseguir um maior grau de integração social e o progresso do país em que vivem. A alfabetização funcional compreende, pois, uma formação múltipla: cultural, econômica social e política. (SORIA, 1968, p. 59-60, tradução livre).

Ainda conforme Soria, suas características principais seriam:

a) base seletiva – os programas devem localizar-se, em primeiro lugar, em áreas onde estavam sendo realizados ou por serem realizados projetos de melhoria econômica e social, nos quais os adultos a serem alfabetizados estariam potencialmente incorporados à produção agrícola e industrial e, por essa razão, suas motivações com respeito à alfabetização poderiam ser facilmente estimuladas e sua aprendizagem imediatamente utilizada. Isso exigiria uma seleção cuidadosa das áreas e dos grupos de população com os quais se pretende trabalhar: programas de reforma agrária e colonização, tecnificação agrícola, cooperativismo e industrialização em geral. E importaria mais alfabetizar as pessoas que estivessem em idade produtiva, das quais é possível esperar uma contribuição significativa para o desenvolvimento econômico e social.

b) concentração de esforços – a seleção de setores ou de lugares nos quais estivessem sendo concentrados os recursos disponíveis permitiria realizar um ação mais vigorosa e eficiente.

c) relação com as prioridades do desenvolvimento – exigindo cuidadoso estudo da realidade e conhecimento das metas do plano de desenvolvimento, de forma a conhecer-se as necessidades de mão de obra qualificada e adequar a programação educativa para atender a sua formação. (SORIA, 1968, p. 62-65, tradução livre).

Soria compara a alfabetização funcional com a alfabetização tradicional, apontando como diferenças fundamentais:

a) seus conteúdos não teriam caráter escolar, mas relação direta com as necessidades de formação profissional do analfabeto adulto;

b) deveria dispor de métodos diferenciados, conforme os diversos grupos de pessoas e os objetivos específicos de sua formação;

c) exigiria o trabalho conjunto de uma equipe interdisciplinar, cuja ação deveria estar integrada em todos seus aspectos e fases;

c) sua avaliação seria um processo contínuo e amplo, tanto quantitativo como qualitativo, precedendo mesmo o início do projeto;

d) deveria ser considerada um investimento que resultasse em utilidade econômica. (SORIA, 1968, p. 67-68, tradução livre).

O Brasil não estava entre os países da América Latina inicialmente selecionados para a implantação de projetos experimentais. No entanto, contatos visando à assessoria da UNESCO em experiências de educação de adultos tiveram início com solicitação da SUDENE – Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste, em 1967, não levada a cabo. Segundo Vanilda Paiva, em 1968, logo após a criação do MOBRAL, a UNESCO propôs um projeto experimental de cinco anos, a ser iniciado em 1969. Não se tratava de um programa de educação de massa, como o MOBRAL passou a implantar a partir de 1970, mas “de micro-experiências em meio urbano e rural, abrangendo entre 300 e 1.000 pessoas, a fim estudar os custos de alfabetização por indivíduo e de buscar métodos de alfabetização verdadeiramente funcionais” (PAIVA, 2003, p. 489).

Após entendimentos, foram definidos três projetos, a serem realizados no período 1968-1971 e, para assessorar sua realização, a UNESCO colocou à disposição do governo brasileiro um técnico em alfabetização funcional, pelo período de um ano:

a) na Cia. Vale do Rio Doce, em Vitória, alfabetização funcional e aperfeiçoamento de mão de obra industrial;

b) no Nordeste brasileiro, alfabetização funcional em bases cooperativas, realizado entre 1968 e 1970, em municípios da Região Agreste do Estado de Pernambuco, pela ANCARPE – Associação Nacional de Crédito e Assistência Rural de Pernambuco);

c) em projetos de assentamento da reforma agrária do INCRA – Instituto Brasileiro de Colonização e Reforma Agrária, no Nordeste e no atual estado de Mato Grosso do Sul.

Experiência na Cia. Vale do Rio Doce

A experiência de alfabetização funcional e aperfeiçoamento de mão de obra industrial, realizada na Cia. Vale do Rio Doce, em Vitória, foi coordenada diretamente pelo assessor da UNESCO. Teve a duração de seis meses para uma primeira turma de 60 operários, em 1968, e foi repetida para uma segunda turma de nove operários, com duração de três meses, em 1969. Segundo Paiva:

Os trabalhadores que participaram da experiência foram escolhidos depois de uma consulta à empresa e da identificação dos pontos de estrangulamento no funcionamento da mesma. Tratava-se de identificar os grupos de trabalho que apresentassem maior frequência de comportamento disfuncional à produção.

[...] O ensino, ministrado no local e durante o horário de trabalho e remunerado como tal, era ministrado em aulas individuais pelo chefe de equipe ou por um operário alfabetizado sob a supervisão de um monitor qualificado.

O método utilizado substituía fichas ou manuais por um trabalho estatístico realizado em computador para determinar o valor da frequência das sílabas (pesquisadas nos métodos anteriormente empregados no país e através de entrevistas para chegar a um vocabulário válido e compreensível pelos trabalhadores, por categoria profissional e área geográfica) e pretendia ensiná-los segundo esta ordem. (PAIVA, 2003, p. 491-492)

Apesar dos bons resultados obtidos e da manifestação da empresa a favor de sua extensão para 10 mil operários, a experiência não foi levada adiante. Também a proposta didática jamais foi repetida. Por sua vez, embora Vanilda Paiva considere apenas esta experiência como alfabetização funcional no período, as experiências realizadas sob a coordenação da ANCARPE e do INCRA, a seguir relatadas, também foram nomeadas como tal e representaram, de certa forma, uma retomada dos trabalhos do início dos anos de 1960, sob outra perspectiva.

Essa mudança de perspectiva já se manifestara no I Seminário de Educação e Desenvolvimento, promovido pela SUDENE, no Recife, em 1967. O documento resultante desse seminário colocava a educação de adultos nos seguintes termos:

Considerada a Educação de Adultos como um processo contínuo e integrado no desenvolvimento, é necessário que tenha como características:

1. A conscientização da população, de modo a permitir uma participação responsável e produtiva mediante: a) interpretação dinâmica dos novos valores e hábitos, bem como a reintegração dos valores tradicionais referentes à vida pessoal e coletiva; b) estímulo à participação na vida política do país.

2. A capacitação para assumir as novas formas concretas de trabalho, bem como situações mais complexas de organizações coletivas. (SUDENE, 1967, p. 14)

No que diz respeito à alfabetização, alertava:

A alfabetização poderá ser um dos pontos de partida para a Educação de Adultos, mas apenas como uma etapa instrumental, Não se deve limitar à aprendizagem da leitura e da escrita como fins em si mesmos, porém como “alfabetização funcional”, enquanto instrumentaliza o homem e o faz usuário de um bem fundamental da época moderna em que as comunicações tendem a se fazerem através da linguagem escrita, particularmente nas áreas urbanas.

Sendo o processo educativo algo dinâmico e integralizador, não se pode pensar numa Educação de Adultos em termos de escolaridade, mas em termos da dinamização das comunidades e integração de todas as atividades com abertura para as mudanças necessárias a um país em desenvolvimento. (SUDENE, 1967, p. 10-11)

Alfabetização funcional em bases cooperativas em Pernambuco

Embora os contatos iniciais para a implantação de um projeto de alfabetização funcional no meio rural tivessem sido feitos com o INCRA, por motivos políticos a escolha recaiu sobre a ANCARPE, que elaborou o Projeto de alfabetização funcional em bases cooperativas para seis municípios da microrregião do Agreste de Pernambuco: Canhotinho, São João, Jurema, Angelim, Calçado e Lajedo. Em todos eles já havia ações extensionistas e várias pequenas cooperativas em funcionamento e o trabalho seria financiado pela SUDENE e articulado com várias outras instituições. Por acordo posterior, o projeto foi estendido para os municípios de Cumaru, em associação com o Departamento de Assistência ao Cooperativismo da Secretaria de Agricultura do Estado de Pernambuco, e ao município de São Joaquim do Monte, por interesse da prefeitura, e apoio da diocese católica local e da LBA – Legião Brasileira de Assistência.

A região do agreste pernambucano é marcadamente minifundiária (propriedades familiares de 10 ha., em média), desenvolvendo a agropecuária, sobretudo bovina, e o cultivo de milho, algodão, feijão, mandioca, banana, laranja e produtos hortigranjeiros. Considerava-se o nível tecnológico muito baixo; por exemplo, apenas uma minoria dos agricultores preparava a terra para plantio usando tração animal e não havia nenhum controle racional de custos e rendimento da produção. O atendimento escolar às crianças reduzia-se a um número insuficiente de escolas, funcionando com classes multisseriadas e atendendo apenas ao início da alfabetização.

Nos seis municípios polarizados por Lajedo, com uma população rural em torno de 80 mil pessoas, à qual somavam outras quase 10 mil reunidas em “grupos de vizinhança”, iniciou-se o trabalho com a discussão de vários números do Jornal do Trabalhador, enviado a 22 comunidades rurais desses municípios, para ser lido e discutido em grupos. Essa ação possibilitou estimar o índice de analfabetismo em 80%. Em consequência, planejou-se criar 200 classes de alfabetização para adolescentes e adultos, com no máximo 30 alunos cada, agrupados de 15 a 21 anos e de 22 anos e mais. Isso significaria atender um total de 6 mil pessoas, no período inicial. Na verdade, foram instaladas apenas 90 classes, com 2.053 matriculados e 1.402 concluintes.

O método escolhido para a alfabetização, embora não declarado, baseou-se no Sistema de Alfabetização de Adultos proposto por Paulo Freire, sem a fase inicial de discussão das “fichas de cultura”; colocava os participantes dos “círculos de debate” em uma atitude extremamente ativa para a alfabetização. Da mesma forma, certamente não pode ser assumido o caráter expressamente político do referido Sistema. No entanto, as palavras geradoras e as situações de aprendizagem, escolhidas a partir do levantamento do universo vocabular da população visada, deram margem à construção de material didático adequado, embora mais pobre do que o produzido pelos movimentos de cultura e educação popular (o que se justificava pelo momento extremamente autoritário), mas ainda inovador se comparado ao utilizado pelas campanhas nacionais dos anos de 1940/1950, recriado nos anos de 1960 pela Cruzada ABC e também pelo MOBRAL, pelo menos nos seus primeiros anos.

O relatório final da experiência afirma que o diálogo nos diferentes grupos atendeu a um dos objetivos propostos no projeto: criar a “consciência crítica de sua situação existencial”, mas a alfabetização funcional ressentiu-se da não existência de um projeto maior de desenvolvimento econômico-social da região. Assumindo que essa primeira fase tinha como objetivo central a criação de atitudes de cooperação, o relatório registra: “Acreditamos que, em vista da ausência de um trabalho em nível das estruturas cooperativas, foi positiva a pouca agressividade de capacitação dos alunos em classe, nesse campo; do contrário, teríamos um grupo com aspiração alta, acima de uma realidade do momento.” (ANCARPE, 1970, p. 86).

A avaliação da experiência mostrou também a dificuldade relativa ao ensino inicial da matemática (a rigor, da aritmética) para adultos que dominavam processos de cálculo mentais, mas não conheciam nem mesmo os algarismos. Experiência anterior do MEB, praticamente na mesma área, já havia enfrentado essa dificuldade, mas tentava superá-la com base na motivação de problemas concretos derivados de situação vivenciais da população, o que foi ignorado pelo Projeto. Na verdade, muitas das experiências anteriores foram “sufocadas” pelo regime militar e permanecem ignoradas até hoje.

O projeto da ANCARPE supunha um desdobramento em termos de pós-alfabetização e intensificação das ações cooperativas. Exemplo desse objetivo é a edição de vários números do Jornal do Agricultor. Mas o momento político, que não suportava a mínima tentativa de “conscientização”, provocou seu encerramento com um Seminário de Avaliação realizado em outubro de 1970.

Alfabetização funcional em projetos de reforma agrária

Apesar de não apoiado pela UNESCO, por intermédio de suas equipes técnicas responsáveis pelas ações sociais e educativas, o INCRA realizou experiências de alfabetização funcional em projetos de assentamento de agricultores, no Nordeste: Caxangá e Quatis, no estado de Pernambuco, e Rio Tinto, no estado da Paraíba.

Caxangá resultara da desapropriação de um grande conjunto de engenhos de cana, na zona da mata de Pernambuco, compreendendo inclusive uma velha usina de produção de açúcar. A ação do INCRA visava a manter a produção agrícola e industrial, organizando os trabalhadores para isto. Um convênio de um ano com o MEB havia alfabetizado 1.027 pessoas, mas um segundo levantamento, após a anexação de novos engenhos, indicou a existência de outros 2.727 analfabetos. Foi prevista a instalação de 50 classes, assumidas diretamente pelo INCRA, para atender, em uma primeira etapa, 1.250 alunos. Nessas classes seria desenvolvido também um programa de pós-alfabetização para os recentemente alfabetizados.

Quatis era um núcleo-modelo, na zona do agreste do mesmo estado, no qual estavam assentadas cerca de 300 famílias. Entre os moradores havia 489 analfabetos, prevendo-se a instalação de 30 classes. Por sua vez, em Rio Tinto, na Paraíba, cujo projeto resultara da desapropriação de uma grande unidade agrícola, moravam e trabalhavam 4.215 famílias. As ações desenvolvidas na área mostravam melhoria significativa na agricultura de sobrevivência e a agricultura de mercado, a partir de 1968, começou a ser financiada pela rede bancária local. As exigências de assinatura de contrato e a comercialização dos produtos em escala maior, indicavam a necessidade da alfabetização, aspiração sobretudo dos chefes de família.

Da mesma forma que o projeto desenvolvido pela ANCARPE, para a alfabetização, adotou-se nesses projetos o Sistema de Alfabetização de Adultos de Paulo Freire, com as mesmas limitações: abandono da discussão das “fichas de cultura” (embora em Rio Tinto as primeiras discussões abordassem o conceito de cultura) e da perspectiva explicitamente política. Tendo como ponto de partida o levantamento do “universo vocabular”, com a consequente seleção de palavras-chave e situações de aprendizagem, o material didático produzido (Aprender para viver, em Rio Tinto), inclusive para leitura dos recém-alfabetizados (Construir com todos, em Quatis), resultou bastante interessante. E tendo sido mantido o debate como postura pedagógica fundamental, foi garantido o caráter instrumental da alfabetização e trabalhada a organização social do projeto, ao lado da pretendida reestruturação e tecnificação da produção agrícola.

Essas ações estavam inseridas em uma nova metodologia para os projetos de reforma agrária ou de colonização, que rompia com posturas extremamente tecnicistas e autoritárias de uma fase anterior de elaboração e implantação desses projetos. Passou-se, então, partir da experiência anterior dos assentados, respeitando no que fosse possível seus saberes e suas práticas, mas procurando atualizá-las por meio da seleção dos cultivos a serem feitos e com a melhoria das sementes e do plantio, assim como do controle da comercialização, por meio de uma cooperativa. Essa metodologia foi sistematizada no Projeto Iguatemi, situado no atual estado do Mato Grosso do Sul, no qual foram assentadas 1.500 famílias, e passou a ser utilizada, no que cabia, em outros projetos de reforma agrária ou de colonização. Chegou mesmo a ser recomendada para outros países da América Latina, pelo IICA – Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (cf. FAVERO, 1973).

Embora em Iguatemi tenha sido feita uma pesquisa preliminar sobre a alfabetização dos parceleiros (cf. FAVERO, 1972) e tendo sido aplicados testes preliminares, a situação política impediu a aplicação da metodologia de alfabetização funcional. O endurecimento do regime militar, alimentado pelas reações dos donos de terra que se sentiam prejudicados pelas relativamente tímidas ações de reforma agrária, e a opção governamental de abertura de novas frentes de ocupação na Amazônia legal, ignorando a nova metodologia de estruturação e organização de projetos de assentamento, provocou o desmonte das equipes que trabalhavam a dimensão social desses projetos.

Características comuns a essas experiências

Todas as experiências descritas tiveram projetos técnicos previamente elaborados, alguns deles tomando por base os resultados de pesquisas socioeconômicas realizadas nas áreas a serem trabalhadas. Esses projetos continham, sistematicamente: caracterização da área, dados de levantamento da situação quanto à alfabetização, programa a ser desenvolvido, compreendendo medidas de implantação, assim como o processo de supervisão e avaliação, cronograma de execução, abrangendo no máximo dois anos, e previsão de custos.

Os objetivos propostos para a alfabetização funcional eram em geral: a) elevação do nível de instrução com a aprendizagem da leitura, escrita e cálculo; b) introdução de novas técnicas e transmissão de conhecimentos para aumento da produção e da produtividade; c) incentivo ao espírito associativista e cooperativista; d) desenvolvimento da capacidade empresarial para assumirem a cooperativa, visando sua rápida autonomia (no caso do INCRA); fornecimento de noções sobre os problemas básicos e instrumentalização para superar os problemas imediatos.

A ANCARPE sintetizava da seguinte forma o objetivo geral do método de alfabetização:

Tal método visa a garantir uma permanente motivação – estar sempre dentro da vida das pessoas do grupo trabalhado; uma ampliação do “aqui e agora” para o “ali, ontem-e-amanhã”, numa atitude incessantemente crítica; uma imprescindível funcionalidade dos novos conhecimentos; um clima mais favorável à mudança de hábitos e costumes e uma maior firmeza nas decisões assumidas em grupo. (ANCARPE, 1970, p. 23)

Tinham ainda praticamente os mesmos critérios de seleção dos monitores que se encarregariam das classes de alfabetização, escolhidos entre os que tinham pelo menos o 2º ano primário e liderança em seu vilarejo. Eram preparados em cursos de treinamento relativamente longos (30 dias no caso da ANCARPE) e seu desempenho era acompanhado e apoiado pela supervisão regular.

A equipe técnica encarregada da coordenação era muldisciplinar, composta por professoras e agrônomos (no caso da ANCARPE, extensionistas rurais).

Como foi dito, o sistema de alfabetização utilizado resultou de uma adaptação da experiência de Paulo Freire em Angicos, adaptação essa forçada pelo contexto político extremamente autoritário. Mesmo assim, a realização dos objetivos propostos, mesmo que não radicais, foi suficiente para estancar todas as experiências.

Na impossibilidade de usar projetores, como havia sido utilizado no Sistema Paulo Freire, passou-se a utilizar álbuns seriados, apresentando as gravuras e as palavras geradoras, sua decomposição e pequenas frases para leitura e escrita. Para os alunos, eram distribuídos cadernos e cartilhas. Apesar de serem elaborados por equipes diferentes, nota-se grande semelhança no material preparado para a alfabetização.

As classes funcionavam em escolas ou locais adaptados, cada projeto fornecendo o quadro negro e o lampião, assim como recursos para a montagem de mesas para os professores e bancas simples para os alunos. Essa situação mostrou-se precária, chegando a ser apontada como uma das limitações para a aprendizagem. Por sua vez, a reposição dos bujões a gás e dos cadernos, a cargo da “comunidade”, também gerou problemas.

Em termos de apreciação geral, no âmbito dos projetos maiores de extensão rural e de reforma agrária em que foram realizadas, e o contexto político-autoritário referido, as experiências de alfabetização funcional foram válidas como experiências. O cuidadoso planejamento, o acompanhamento sistemático e, sobretudo, a avaliação rigorosa permitiriam sua ampliação, atendendo pelo menos em parte às diretrizes da UNESCO, devidamente criticadas e adequadas à realidade brasileira. Não foi isto, no entanto, que ocorreu: a partir dos anos de 1970 iniciou-se a montagem do MOBRAL, um programa de massa que atingiu todo o país e que, embora passasse a usar a designação de alfabetização funcional, retomou, para adolescentes jovens e adultos, práticas tradicionais da alfabetização, em boa parte seguindo os mesmos padrões da alfabetização para crianças.

Referências bibliográficas

ANCARPE – Serviço de Extensão Rural de Pernambuco. Documento final do Seminário de Avaliação da Experiência de Alfabetização Funcional em Bases Cooperativas em Pernambuco. Recife: Ancarpe, 1970.
FÁVERO, Maria de Lourdes de Albuquerque. Alfabetização de adultos e sua posição em um projeto de desenvolvimento integrado. Dissertação (Mestrado em Educação). Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica, 1972.
FAVERO, Osmar. Educação de adultos em projetos integrados de reforma agrária. Dissertação (Mestrado em Educação). Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica, 1973.
FIELD, E. Project experimental d’alphabetization fonccionelle de la Cia. Vale do Rio Doce au Brèsil. UNESCO, 1969.
PAIVA, Vanilda. História da educação popular no Brasil; educação popular e educação de adultos. 9 ed. São Paulo: Loyola, 2003.
SORIA, Luis Eduardo. Alfabetización funcional de adultos. Pátzcuaro, Michoacán, México: CREFAL, 1968.
SUDENE – Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste. Diretrizes para os programas de educação de adultos. Documento final do I Seminário de Educação e Desenvolvimento – Educação de Adultos – jan. 1967. Recife: Divisão de Documentação, 1967.

Leia mais
   
Diretrizes para os programas de Educação de Adultos   Nota de Vanilda Paiva