Skip to Content

O silêncio dos intelectuais, artigo de José Maria Alves da Silva

A pobreza atual do debate social brasileiro é tão impressionante quanto paradoxal o silêncio dos nossos intelectuais, em face das dramáticas e cada vez mais visíveis tendências de crescimento do número de vítimas de acidentes, crimes e epidemias, da corrupção nos três poderes e do consumo de drogas, entre outras mazelas que envergonham os patriotas.

O que estão fazendo os cientistas sociais das universidades que deveriam constituir o núcleo duro do pensamento independente e a consciência crítica da nação, e, no entanto, se calam diante dessa situação de quase-falência do Estado brasileiro, o mesmo Estado que nos impinge uma carga tributária de quase 40% do PIB?

Com a distensão política, no limiar dos anos oitenta, prenunciando uma nova era libertária para os artistas e intelectuais, depois de anos e anos de repressão à liberdade de expressão, criou-se um clima de grande otimismo quanto às possibilidades econômicas, sociais e culturais do Brasil.

Tomando como exemplo a agitação no meio acadêmico dos economistas, relembro que, naquela época, procedeu-se por iniciativa da Associação Nacional dos Cursos de Graduação em Economia (Ange), uma reforma curricular que, entre outras coisas, restaurava a interface entre a economia e a política, que praticamente havia sido banida durante o regime militar.

Com isso, visava-se fazer com que as escolas de economia também contribuíssem para a formação de agentes de transformação social, em vez de meramente produzir profissionais técnicos ou burocratas. Pois bem, fazendo um retrospecto, nessas mais de duas décadas que já se passaram, constatamos que o que era uma expectativa promissora tornou-se uma enorme frustração.

Hoje, as escolas de economia mais badaladas parecem mais preocupadas em formar tecnocratas com títulos de Phd, enquanto que a grande maioria dos cursos noturnos pagos continua, como sempre, servindo principalmente para fornecer diplomas aos que não almejam muito mais do que o cargo de auxiliar administrativo numa empresa de médio porte.

No início dos anos oitenta, chegamos a presenciar nos congressos anuais da Associação Nacional dos Cursos de Pós Graduação em Economia (Anpec) memoráveis painéis de discussão temática, nos quais personalidades como Celso Furtado, Maria da Conceição Tavares e Mario Henrique Simonsen, entre outros notáveis, faziam debates de alto nível sobre a problemática nacional.

Atualmente, nesses congressos, predomina a presença de jovens pós-graduandos inexperientes, apresentando artigos de tese tão especializados quanto irrelevantes, que só serão lidos por outros interessados em fazer teses sobre o mesmo assunto.

O que mais se discute são metodologias, modelos e instrumentos, ou seja, os meios e não os fins da ciência econômica. Qual a razão disso tudo? Por que a discussão acadêmica dos grandes problemas brasileiros, em vez de ampliar-se, depois da consolidação democrática, foi desvanecendo até quase desaparecer? O que estão fazendo nas universidades públicas os que deveriam constituir a classe pensante do país?

Não há espaço aqui para cotejar respostas para as duas primeiras indagações. O máximo que podemos fazer, nesse sentido, é responder provocativamente a terceira: grande parte dos que deveriam constituir a classe pensante do país estão mais preocupados em publicar nas revistas indexadas, visando apenas sua autopromoção acadêmica; estão procurando complementar vencimentos, mediante vendas de serviços tecnológicos por meio das fundações privadas “de apoio”; estão fazendo projetos para conseguir bolsas individuais e financiamentos de agências estatais de fomento à pesquisa e envolvidos com outras atribulações da burocracia universitária, que acabam lhes tomando o resto do tempo que teriam para pensar.

Enquanto isso, os que ainda teimam em pensar o Brasil, sincera e honestamente, que querem trabalhar em prol da melhoria das condições de vida do povo, do aperfeiçoamento da democracia e da emancipação da nação brasileira, e que procuram comunicar ideias e ideais para as massas, estão sendo silenciados pelos meios de comunicação, que se fecham a eles; estão sujeitando-se ao risco de sofrer humilhações quando tentam publicar trabalhos ou livros que tratam temas concretos e socialmente relevantes, mas contrariam interesses políticos ou corporativos, e estão sendo vítimas da “censura branca” de uma mídia sempre mais aberta a grupos de interesse com alto poder de marketing.

O silêncio dos intelectuais é assim o silêncio dos que optaram por trocar de posição, em troca de melhores condições materiais de vida, e o dos que não fizeram essa opção, mas estão sendo silenciados pelos que controlam os espaços de comunicação.
 

José Maria Alves da Silva é doutor em economia pela USP e professor da Universidade Federal de Viçosa. Artigo enviado pelo autor ao “Jornal da Ciência da SBPC”