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Minas Gerais muda currículo do ensino médio e provoca polêmica

Alunos do 2º ano têm de escolher se focam esforço em humanas, exatas ou biológicas. Desde o início do ano, quem escolher por humanas, por exemplo, não tem mais aulas de biologia, química e física até o fim do 3º ano

Breno Costa escreve para a “Folha de SP”:

Alunos do 2º ano do ensino médio de Minas têm agora de optar por uma área específica (humanas, exatas ou biológicas) para seguir até o fim do antigo colegial. A medida do governo Aécio Neves (PSDB) está em vigor desde o início do ano. Há 200 mil matriculados nessa série em toda a rede estadual.

O número de aulas continua o mesmo. O que muda é que, se o aluno escolhe humanas, passa a não ter mais aulas de biologia, química e física nos dois últimos anos do ensino médio.

Já o que opta por exatas e biológicas deixa de ter aulas de história, geografia e língua estrangeira. A maioria dos vestibulares exige todo o conteúdo.

A escolha vale para quem obtiver rendimento de 70% em todas as disciplinas obrigatórias do 1º ano do ensino médio. A direção da escola definirá a área para quem entrar no 2º ano após passar por recuperação em alguma disciplina.

As normas constam de uma resolução da Secretaria da Educação, publicada em dezembro. "Em vez de aprender um pouco de muito conteúdo, o aluno vai aprender mais aprofundadamente com menos disciplinas. Com muita disciplina, perde-se o foco. Achamos que isso é mais útil para o aluno", afirma o secretário-adjunto da Educação, João Filocre.

O Ministério da Educação diz que o Estado tem autonomia para criar sua norma desde que não se choque com a Lei de Diretrizes e Bases, que dita as regras gerais da educação no país.

A lei federal diz que são disciplinas obrigatórias língua portuguesa, matemática, educação física, filosofia e sociologia. Alunos ouvidos pela Folha afirmam que a ausência de disciplinas básicas poderá atrapalhá-los na hora do vestibular.

Os alunos de Minas têm a chance cursar as disciplinas que não constam da grade obrigatória da sua área de ênfase. Para isso, precisam estudá-las em turno extra. O aluno matriculado na manhã pode cursar a aula que não faz parte do currículo à tarde ou à noite, desde que haja ao menos 20 alunos interessados. A direção da escola, então, comunica o desejo das aulas extras à secretaria, que abre a turma.

Uma outra possibilidade, que também depende da decisão de cada uma das 1.800 escolas estaduais de ensino médio de Minas, é que oito aulas de 50 minutos sejam distribuídas livremente, desde que respeitado o teto de dez disciplinas no 2º ano e de nove no 3º ano.

Isso foi feito na escola Governador Milton Campos, em Belo Horizonte, que tem mais de 3.700 alunos no ensino médio. Segundo a diretora, Maria José Duarte, como há seis disciplinas obrigatórias para cada área de ênfase, além de sociologia e filosofia, exigidas por lei federal, restaram só duas para serem incluídas no 2º ano.

Uma votação com os alunos foi feita. Na área de humanas, física ficou em terceiro lugar e, portanto, fora do currículo. Uma aula de biologia e uma de química foram incluídas. Na área de exatas e biológicas, língua estrangeira foi sacrificada.

Em um colégio menor, em São João del Rei, no interior de Minas, a diretora decidiu colocar todos numa só área: exatas.

Mudança é corajosa, diz professor

Professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais e presidente da Associação Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências, Eduardo Mortimer classifica a mudança como "corajosa". Ele cita casos semelhantes em países desenvolvidos e diz que os vestibulares têm que se adaptar à realidade do ensino médio.

- O sr. concorda com a mudança curricular em MG?

Na maioria dos países do mundo, o ensino médio já é assim. Ele encaminha a pessoa a uma profissão. Acho uma boa proposta porque nos iguala a esses outros [países].

- Mas qual a vantagem do modelo para o aluno?

O aluno já teve uma iniciação em ciência, aula de química, de física. Então, a partir do 2º ano, pode fazer essas opções. Aprofundar todas as matérias, como o currículo está hoje, é impossível.

- Mas, no vestibular, o aluno não fica prejudicado?

Acho que os vestibulares das principais universidades já estão se adaptando, porque estão cobrando o mínimo. O que é importante aprender de química são poucos conceitos para, como cidadão, discutir a questão da ciência, do ambiente. Acho que a medida é corajosa por apontar a necessidade de haver uma especialização.

Dirigente da PUC fala em "retrocesso"

Para a psicopedagoga Neide Noffs, diretora da Faculdade de Educação da PUC-SP, a decisão do governo mineiro de alterar a grade curricular do ensino médio é um retrocesso e precipita as decisões dos estudantes.

- Qual a sua opinião sobre as mudanças em MG?

É lamentável dizer. Eu já vi esse filme. Quando eu era estudante, era assim. Você fazia clássico, mais voltado para humanas, ou científico, para exatas. Isso não deu certo.

- Por quê?

Porque as profissões têm caráter generalista. Você não pode ser uma coisa ou outra. Tem de ter um pouco de cada habilidade.

- E como isso influencia a carreira do estudante?

Essa mudança não é uma boa alternativa porque um dos problemas do ensino superior é o estudante entrar na universidade sem uma visão clara da profissão que escolheu. Se no primeiro ano do ensino superior a gente já identifica vários estudantes que apresentam problemas no aprendizado, imagina isso no segundo ano do ensino médio.

- E o fato de o aluno só ter o direito de optar pela área se tiver 70% de aprovação?

É mais do que uma imposição. Isso tira do estudante sua autonomia e o seu compromisso. Acho que a escola deveria ser parceira do estudante.
(Colaborou Afonso Benites)
(Folha de SP, 8/4)