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'Problema do ensino não passa pelas cotas', avalia sociólogo

Para o sociólogo Simon Schwartzman, presidente do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets), o sistema de cotas raciais e para deficientes físicos nas universidades é uma medida demagógica, que não atende às reais necessidades desses grupos e não soluciona os problemas da educação brasileira.

“É preciso dar o atendimento adequado para as necessidades de cada um”, disse ele ao Globo. Ex-presidente do IBGE, Schwartzman avalia ainda que o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) tem defeitos, mas é melhor que nada, ao traçar um diagnóstico do ensino médio no Brasil, que na média é ruim, seja em escolas públicas ou privadas.

- Os resultados do Enem servem de referência para os pais escolherem a melhor escola para os filhos?

É uma referência, mas não a única. Se você está interessado que seu filho passe no vestibular, então você escolhe a escola que tem o melhor resultado. Mas essas escolas podem ser muito duras com as crianças, ter um nível de exigência que não faz sentido. Já uma escola com resultado muito ruim tem baixa qualidade, e os pais devem pedir satisfações à instituição. Ter uma boa classificação no Enem pode ser um dos critérios de escolha, mas às vezes o bom resultado vem porque os alunos são tratados à base do chicote. Então, é bom perguntar: você quer isso para seu filho? Tem gente que não quer.

- Qual sua opinião sobre as cotas para deficientes e as cotas raciais?

O problema do ensino superior não passa pelas cotas. Isso é demagógico, pois não atende às reais necessidades dos mais pobres ou dos deficientes. Que deficiente precisa de cota? O que está na cadeira de rodas? Isso não impede que ele seja um bom aluno e faça vestibular normalmente. Ele vai precisar de outras coisas que facilitem sua mobilidade. Se é uma deficiência visual, é preciso oferecer instrumentos adequados para que o aluno possa superar suas limitações. Se é criada uma regra geral, o que vai acontecer é que vão aparecer deficientes aos montes.

- De modo geral, como o senhor avalia a qualidade do ensino no Brasil?

Mesmo o melhor não é bom. Temos um problema de qualidade de cima a baixo.

- O senhor acha viável a substituição do vestibular pelo novo Enem?

O Enem não vai substituir o vestibular. Ele serve como referência para parte do vestibular nas instituições do Brasil que ainda têm processo seletivo. A maior parte não tem mais vestibular. O setor privado praticamente não tem, e no setor público o vestibular só vale para as áreas mais competitivas. O novo Enem vai funcionar como uma referência que pode ser útil. Mas as universidades que têm cursos mais concorridos vão continuar a ter um sistema de seleção adicional.

- O Enem é um bom instrumento para avaliar a qualidade do ensino no Brasil?

É um exame que tem problemas, tanto que o Ministério da Educação está trocando o Enem por outro exame. Mas é melhor do que nada. O ideal de uma prova desse tipo é que ela pudesse funcionar como referência para os cursos de ensino médio no Brasil. Mas é uma prova muito mal feita, tanto é que não dá para comparar os resultados de um ano para o outro. A questão de não ser obrigatório também é um problema.

- Como o senhor avalia os resultados do Enem de 2008?

É basicamente o já que se sabia. As escolas públicas são ruins, as particulares são melhores, algumas federais se destacam. Há desigualdade na qualidade de ensino tanto de escolas públicas quanto privadas. Mas, na média, o setor público está muito ruim.

- Quais as razões da diferença de qualidade entre o ensino privado e público?

Há muitas razões. O ensino privado recebe alunos de maior poder aquisitivo, de famílias com maior escolaridade. As escolas particulares estão interessadas em ter melhores resultados, pois estão competindo no mercado. Na escola pública, grande parte do ensino médio funciona de noite, não tem sistema de estímulo à qualidade, recebe os alunos mais pobres, com mais limitações.
(O Globo, 1/5)