Skip to Content

Piores escolas no Enem têm 60% dos alunos

No país, há 598,7 mil jovens que estudaram em colégios que ficaram abaixo da média nacional; pior situação é das públicas estaduais. A nota baixa no exame significa mais dificuldades para ingressar no ensino superior e indica problemas no ensino dessas unidades

Escolas que estão abaixo da média nacional do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) concentram 60% dos estudantes que fizeram a prova. Em números absolutos, são 598,6 mil alunos que se formaram em colégios de baixa qualidade. Os dados foram tabulados pela Folha, com base nos dados do Ministério da Educação.

Numa escala de até 100 pontos, a média ficou em 49,45. Ficaram abaixo do patamar 11.932 escolas (do total de 19.117).

O Enem é uma prova optativa para alunos que se formam no antigo colegial. O exame, com testes e redação, prioriza o raciocínio frente a situações-problema (por exemplo, uma questão que aborda a melhor forma de vencer o jogo-da-velha). O modelo é diferente de vestibulares, que cobram conteúdo específico do currículo.

A prova é utilizada como parte da seleção de calouros para universidades e para concessão de bolsas de estudo em universidades privadas pelo Prouni (programa federal que beneficia alunos da rede pública).

Assim, nota baixa no Enem significa mais dificuldades para ingressar no ensino superior. Também aponta problemas na educação oferecida nas escolas.

João Cardoso Palma Filho, vice-presidente do Conselho Estadual de Educação e professor da Unesp, afirma que o dado traz um aspecto positivo, pois 40% dos alunos estão em escolas acima da média.

"Não é tão ruim, mesmo porque aumentou bastante o número de alunos no ensino médio nos últimos anos, a maior parte oriunda do ensino fundamental público. Mas claro que precisaria melhorar", disse.

Ele afirma que, nas escolas de ensino médio de pior qualidade, problemas como a falta de professores e o desinteresse dos alunos, em razão do foco específico no vestibular, prejudicam a aprendizagem.

"A melhora passa por uma necessidade de rever o currículo, não focalizá-lo só no vestibular, melhorar a formação dos professores, a estrutura, com bons laboratórios, por exemplo, e tentar diminuir a evasão, oferecendo disciplinas de caráter técnico profissionalizante."

Problemas na estrutura apareceram, por exemplo, no pior colégio público da capital paulista (escola estadual João Ernesto Faggin). Os alunos reclamam que não têm acesso livre à biblioteca e à sala de informática e que faltam docentes. A Secretaria da Educação do governo José Serra (PSDB) diz que a unidade está passando por reforma e que as salas de leitura devem ficar abertas.

Problema nas públicas

Os piores resultados aparecem nas escolas públicas mantidas pelos Estados: 73,4% dos seus alunos estudaram em colégios abaixo da média. Na rede particular, a taxa foi de 2,4%. O melhor desempenho apareceu na rede federal (1,9%).

O presidente do Inep (instituto do MEC responsável pelo exame), Reynaldo Fernandes, afirmou que vai analisar os dados, pois o órgão priorizou os resultados por escola, e não análises globais do sistema.
(Fábio Takahashi, com colaboração de Márcio Pinho)

Aluno já sai em desvantagem, diz educadora

O sistema educacional brasileiro reflete uma cisão que existe na sociedade, na opinião de Dagmar Zibas, doutora em educação pela USP e pesquisadora aposentada da Fundação Carlos Chagas. Ela afirma que falta vontade política para fazer um grande investimento nas escolas públicas.

Como vê a presença de 60% dos alunos nas escolas com desempenho inferior?

- É preciso analisar primeiro que o sistema educacional reflete a cisão que há na sociedade brasileira. O Enem sempre mostra que as escolas de elite, com alunos de famílias com melhores condições, estão entre as melhores. A maioria das escolas que atende a população pobre não tem as mesmas condições. Atendem a camada mais pobre, filhos de famílias de menor escolaridade. Então, a comparação de que escola de elite com bom resultado e escola pública com mau não é razoável.

Por que a maioria dos alunos estuda em escolas com notas piores?

- É o problema da falta de investimento. Tem problema de falta de professor, de escola quebrada. Agora, nas escolas públicas melhores, como as escolas técnicas federais ou escolas agregadas a uma universidade, elas são diferenciadas porque, entre outros motivos, fazem muita seleção.

O que precisaria ser feito no ensino público?

- O que precisaria é que fosse dado a esse contingente as mesmas condições. Isso quer dizer escolas boas, bem equipadas, professores que ganham bem e que se ficam mais tempo, dedicam-se só às escolas. Se você pega uma escola técnica federal, o professor fica só lá. Já numa escola de ensino médio da periferia, o professor dá aula em duas ou três escolas. Ele não conhece os alunos pelo nome.

Qual o impacto do ensino para esses alunos no mercado de trabalho?

- Eles já começam com uma desvantagem enorme. Você sabe que tem alunos do ensino médio que são analfabetos funcionais. Como vão competir com alunos de uma escola técnica federal? Imagina esse aluno diante de um estudante de escola de elite, que tem "background" da família, escola bem equipada, viaja o mundo. Para a escola pública cobrir esse abismo teria que estimulá-lo, fazer com que o currículo tenha significado para ele.

O que falta além de investimento?

- Não há uma vontade política de investir de fato nas escolas e de se fazer um investimento fabuloso, que seria necessário em educação.
(Márcio Pinho)

De cada 10 alunos de escolas técnicas "top", 6 vêm da rede privada

Seis de cada dez alunos das duas melhores escolas técnicas da cidade de São Paulo estudaram em colégios particulares. Para entrar nas técnicas, passaram por uma espécie de "vestibulinho", quase tão concorrido quanto o vestibular para o curso de medicina da USP.

Muitos, inclusive, fizeram cursinhos preparatórios pagos em instituições especializadas.

A seleção é um dos fatores apontados pelo IFSP -Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo, que até 2008 era chamado de Centro Federal de Educação Tecnológica de São Paulo (Cefet)- e pela ETE-SP (Escola Técnica Estadual de São Paulo) para o bom desempenho obtido no Enem (Exame Nacional do Ensino Médio).

A primeira ficou em quarto lugar no ranking de escolas da capital e a segunda, em nono.

O aluno Murilo Grosckitz Almeida, 17, por exemplo, só estudou em colégios particulares até o último ano do ensino fundamental. Ele cursa o último ano do ensino médio na ETE.

No ano que vem, pretende cursar engenharia na Escola Politécnica da USP, cuja relação candidato/vaga, 15, foi próxima da apresentada pela escola técnica (10). Na ETE-SP, apenas 30% dos 560 alunos (160 do último ano) fazem junto com o ensino médio algum dos cursos técnicos oferecidos pela escola.

Todos têm acesso, no entanto, à mesma estrutura: quatro laboratórios de informática, cinco de eletrônica e um multidisciplinar (para aulas de biologia, física e química), além de uma biblioteca com 26 mil exemplares, que é "padrão internacional", diz o diretor Carlos Augusto de Maio.

Na melhor escola estadual de ensino regular (não técnico) do ranking da capital, a Maestro Fabiano Lozano (zona sul), a biblioteca tem 3.000 livros.

No IFSP, a relação candidato/vaga do ensino médio não profissionalizante foi de 30,1 em 2007, último ano em que a instituição aceitou novos estudantes para o ensino médio regular. Essa média é quase igual à apresentada pelo curso de medicina da USP (34,97).

Como 60% dos alunos do IFSP (incluindo todos os cursos), assim como os da ETE-SP, são oriundos de escolas particulares, o instituto passou a adotar desde o último vestibulinho uma espécie de bonificação para os alunos de escola pública -eles têm 10% de acréscimo na média final. O ETE-SP faz isso desde 2005.
(Talita Bedinelli)
(Folha de SP, 30/4)