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Educação Popular II

Educação Popular II

Retoma-se, nesta etapa, a apresentação das propostas e experiências da que pode ser considerada segunda fase da Educação Popular, de meados dos anos de 1970 até os dias atuais.

Em contraponto às propostas engendradas pelo Estado e pelas instituições empresariais a ele associadas, e às discussões que ocorriam na Academia, outras ações ocorriam na sociedade, em termos de apoio e sistematização de iniciativas nascidas dos movimentos populares. Essas ações eram normalmente apoiadas pelas Igrejas católica e protestantes, contando com o financiamento de instituições internacionais, a maioria delas também ligadas às mesmas Igrejas. Esse é o momento forte da abertura da Igreja católica à população mais pobre, com as pastorais (dos índios, dos negros, dos operários, da juventude...) e da rica experiência das CEBs – Comunidades Eclesiais de Base, alimentadas pela Teologia da Libertação.

Em 1972, profissionais que provinham dos movimentos de cultura e educação popular do início dos anos de 1960, particularmente do MEB – Movimento de Educação de Base, e outros ligados às ações pastorais e ao sindicalismo, preocupados com a dispersão daquelas ações, realizaram um seminário do qual originou a criação de uma agência¹ de assessoria e pesquisa em educação – o NOVA, com sede no Rio de Janeiro.

Já funcionava no Rio de Janeiro, desde 1964/1965, o CEI – Centro Evangélico de Informação, formado por militantes ligados à Confederação Evangélica do Brasil, afastados de suas igrejas após o golpe civil-militar de 1964. Em 1968, com a incorporação de militantes católicos, o CEI passou a denominar-se Centro Ecumênico de Informação e, em 1974, institucionalizou-se como CEDI – Centro Ecumênico de Documentação e Informação.com uma subsede em São Paulo. Dentro de seu projeto de reflexão sobre o momento político, possibilidades de resistência ao autoritarismo vigente e aspirações de mudanças, com os grupos de base, o CEDI definiu um projeto de educação popular, também em termos de pesquisa e assessoria, e uma fértil linha de publicações periódicas.

Apesar de muito dependente das iniciativas governamentais, inclusive do MOBRAL, e com sua organização estritamente ligada aos bispos, em suas respectivas dioceses, em alguns estados do Nordeste (por exemplo, Rio Grande do Norte, Ceará e Piauí) conseguiu manter uma programação radiofônica e ações de animação popular, atendendo aos interesses populares, No caso da Amazônia. Em particular Tefé, sua atuação voltou-se também para a criação e fortalecimento de associações de ribeirinhos e de seringueiros explorados pelos patrões.

Outra rica experiência foi organizada, também desde meados de 1970, por operários e ex-líderes sindicais, perseguidos pelo governo autoritário, que discordavam da orientação dos cursos oferecidos pelo SENAI – Serviço de Aprendizagem Industrial: treinamentos usando manuais de ensino dirigido e formação política na educação de trabalhadores na aceitação do sistema. Um grupo de 13 escolas se reuniu no Conselho das Escolas de Trabalhadores e, assessorados pela agência CAPINA – Cooperação e Apoio a Projetos de Inspiração Alternativa, passaram a realizar seminários anuais, revendo sua ação, e seminários temáticos, para aprofundar a metodologia de trabalho. Os documentos resultantes desses seminários, na definição de sua pedagogia e os relatórios das oficinas pedagógicas expressam exemplar definição da pedagogia para a formação técnico-política de adultos operários.

Por sua vez, ao longo desses mesmos anos, a Secretaria Nacional, de Formação da CUT – Central Única de Trabalhadores definiu as Bases do Projeto Político Pedagógico do Programa de Educação Profissional, expressas nos Programas Integrar e Integração, para os quais foram produzidos materiais didáticos e modos de trabalho extremamente inovadores. E, na mesma linha, o MST – Movimento dos Trabalhadores Sem Terra também definiu a linha de formação política dos militantes e tem produzido farto material para as escolas do movimento e para a formação não escolar dos militantes em geral, em termos de política, e das mulheres e das crianças, em particular, em termos de cultura e de lazer.

Também ligados aos movimentos sociais e com ações de alfabetização, assessoria a grupos de base e, no início dos anos de 1980, forte assessoria à formação da CUT e do PT – Partido dos Trabalhadores, temos duas outras iniciativas, ambas sediadas em São Paulo: o CEPIS – Centro de Educação Popular do Instituto Sedes Sapientiae e o URPLAN – Instituto de Planejamento Regional e Urbano, ligado à PUC/SP, mas com grande independência em relação a ela. Os objetivos do URPLAN eram a pesquisa voltada para a problemática das políticas públicas e a assessoria aos movimentos populares; ao longo do tempo desdobrou-se no GEP – Grupo de Educação Popular.

Com ações dirigidas aos chamados agentes – profissionais que se dedicam à alfabetização de pessoas das camadas populares e à educação de jovens e adultos, destacam duas outras instituições: o SAPÉ – Serviços de Apoio à Pesquisa em Educação, criado em 1983/1984, visando especificamente à formação de educadores de jovens e adultos, em uma proposta alternativa de diálogo na troca de saberes e na relação democrática nas relações de poder. O SAPÉ, a partir de pesquisa realizada em classes de alfabetização de jovens e adultos e da experiência dos “coletivos de formação”, produziu três números do Almanaque do Aluá, material didático, ao mesmo tempo tradicional e inovador para a educação de jovens e adultos. Com a mesma perspectiva, e fortemente ancorado na pedagogia de Paulo Freire, temos ainda o VEREDA – Centro de Estudos em Educação, criado em 1982, também com materiais originais em sua linha de trabalho.

O que estamos designando como segunda fase da Educação Popular, fortemente apoiada por financiamento internacional,² foi marcada pela definição de novas formas de trabalho, com os movimentos sociais em geral e com os movimentos sindicais e políticos, em particular (reorganização das bases sindicais, criação da CUT e do PT) e por uma abertura das agências e centros para com outros movimentos e instituições da América Latina, em uma fértil parceria de estudos e troca de experiências. Foi marcada também por um esforço de reflexão bastante importante. Como nos diz Aída Bezerra e Rute Rios, no artigo A negociação, disponibilizado neste documentário:

O período da ditadura militar, assim como ocorreu em vários países da América Latina, empurrou o que subsistiu dessa época - enquanto uma qualidade nova da intervenção educativa junto às camadas populares - para a clandestinidade, semiclandestinidade e para o isolamento. Foi uma fase que se caracterizou pela resistência às forças de repressão e pelo estudo do marxismo como apoio teórico da ação desenvolvida. Althusser, Lucaks, e Gramsci eram os autores a quem mais recorriam os educadores ou os encarregados da formação de quadros. Sem esquecer, evidentemente, a influência que teve Mao Tse Tung e a experiência chinesa sobre determinados grupos.

Somente a partir da segunda metade dos anos de1970 é que começou a ser analisada criticamente a acumulação que as iniciativas de educação popular se fizeram ao longo desse percurso histórico/político/pedagógico. Falamos de uma exploração mais abrangente e que não se ateve, somente, à reserva imediata de instrumentos teóricos/práticos – de mobilização, organização e ações mais especificamente educativas – utilizados em função do fortalecimento do poder de intervenção das camadas populares. Aliás, essa aliança dos educadores com os grupos populares sempre foi clara e explícita em suas intenções, mas nunca chegou a ter (salvo raras exceções) muita consistência nem em seus fundamentos nem em suas consequências, dado, possivelmente, o grau de ativismo que caracterizava as intervenções.

A credibilidade que uma grande parte desses educadores emprestava ao seu esquemático/simplificado suporte teórico, sobretudo os mais letrados, lhes tinha dado margem a se relacionar com certa superioridade com os grupos populares, cujo estágio de consciência política era considerado insuficientemente instrumentalizado para o inadiável confronto de classes. Ao mesmo tempo, a vocação de serviço e dedicação aos mais pobres (levando em conta aí que a maioria dos quadros de educação popular era recrutada nos meios cristãos ou entre militantes de organizações marxistas) levava-os a dignificar eticamente o tipo de intervenção e a valorizar o humilde e o simples quase que por categorias religiosas.

A militância chamada salvacionista foi um resultado compreensível desse casamento da utopia política com a construção do Reino. No entanto, foi por esse viés que se inaugurou uma nova forma de compromisso social da educação com as populações deserdadas do protecionismo estatal e restringidas, pelos mecanismos de expropriação do sistema, no seu desempenho sociopolítico.

O grande número de agências ou centros e seu largo período de atuação, de meados dos anos de 1970 até os dias atuais, e a dificuldade de reunião dos documentos produzidos, permitiu apenas seu registro e algumas análises preliminares. Além disso, não foi possível contemplar algumas instituições importantes, por exemplo, a FASE – Federação de Atendimento Sócio-Educativo, o Centro Pastoral Vergueiro e o CECIP – Centro de Criação de Imagem Popular, com atuação em plano nacional. Da mesma forma, foi impossível detalhar a parceria com movimentos e instituiçoes da América Latina, em especial a significativa produção no que diz respeito à definição da educação popular e sua relação com os movimentos sociais.³

Nesse sentido, um livro fundamental é Educação popular: utopia latino-americana, organizado por Moacir Gadotti e Carlos A. Torres e publicado por Cortez e Edusp, em 1984. Nele, um dos textos mais significativos é o de Oscar Jara, “El reto de teorizar sobre la práctica para transformala”. Para o caso brasileiro, a referência mais atual é Educação popular; lugar de construção social coletiva, organizado por Danilo R. Streck e Maria Teresa Esteban, publicado pela Editora Vozes em 2013.

 

 

¹ Durante as várias décadas usou-se a denominação agência ou centro de educação popular. Apenas nos anos de 1990 foi assumida a designação organização não governamental. Ver Leilah Landim, A invenção das ONGs; do serviço invisível à profissão impossível. Tese de doutoramento defendida em 1993, no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional e da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

² Sobre essas formas de financiamento, ver Sérgio Haddad, O papel das agências europeias no apoio aos processos de educação popular no Brasil.

³ Muitos outros centros tiveram atuação destacada no período, com expressão local: SEDUP – Serviço de Educação Popular (Guarabira/PB), CEPAC – Centro Piauiense de Educação Popular (Teresina/PI), CECOP – Centro de Educação e Comunicação Popular D. João Batista (Vitória/ES), CESAP – Centro de Serviço e Assessoria Popular, posteriormente transformado em CEDAP – Centro Educação e Assessoria Popular (Campinas/SP), IFAS – Instituto de Formação e Assessoria Sindical (Goiânia/GO), CEDANPO – Centro de Documentação e Apoio aos Movimentos Populares (Campo Grande/MS).Ver Bárbara Lopes, Semeadores da utopia; a história do CEPIS – Centro de Educação Popular do Instituto Sedes Sapientiae. (São Paulo: Expressão Popular, 2013, p. 95-97)

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